“O que há de mais inovador e criativo no ambiente popular das linguagens artísticas vem da periferia”. A afirmação é de Jaílson Souza e Silva, que nasceu em uma comunidade de Brás de Pina, na zona norte do Rio de Janeiro, e morou na Maré, onde fundou com um grupo de amigos o Observatório de Favelas em 2001. Graduado em geografia e mestre e doutor pela PUC-RJ, além de professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele conversou com O Pharol na quarta-feira (27), antes de participar do “Fórum Próximo Futuro”, que tem como missão pensar uma cidade conectada, sustentável, criativa e inclusiva.
A periferia, segundo Jaílson, deve ter posição central em qualquer iniciativa que almeja o desenvolvimento a partir das possibilidades vislumbradas, caso contrário, “o projeto de cidade fica estacionado na limitação de direitos ao espaço urbano que se vive hoje”. Nesse contexto, ele considera necessário primeiramente definir o tipo de cidade que se tem.
“Tradicionalmente as cidades são pensadas a partir de três elementos: o acesso aos equipamentos urbanos, o acesso aos serviços urbanos e o acesso à renda. A partir daí se define como a cidade funciona e como ela se organiza e como se distribui de certa forma o direito a ela”, explica.
A organização das cidades está explicitamente visível quanto aos elementos citados pelo professor, ou seja, as áreas mais ricas têm pleno acesso aos equipamentos, aos serviços e à renda, enquanto as mais pobres estão destituídas desses direitos. Ele reconhece e lamenta tal distribuição por considerar que cidade é “mais que isso”.
“Uma cidade para ser humanizada efetivamente, para ela ser constituída de uma forma criativa e inovadora, ela tem que ter o que eu chamo de ‘a pedagogia da convivência’. A convivência é um elemento fundamental para a criação comum. E isso é exatamente o que caracteriza a periferia, embora nessa visão tradicional e economicista de cidade – de acesso apenas a bens –, você olha para a periferia como a área da carência, da precariedade, da falta. Mas é nela que a gente tem hoje toda uma potência inventiva e criativa. De onde vem hoje as principais linguagens artísticas contemporâneas?”, questiona.
Ao destacar essas formas culturais e artísticas criadas nas periferias da cidade, Jaílson chama atenção para duas condições importantes. Primeiro, há de se potencializar o que está sendo feito. Depois é preciso ampliar o espaço público para que isso aconteça porque, como ele endossa, “na periferia há espaço de criação, há espaço de invenção”.
Jaílson integrou a mesa de discussão do “Fórum Próximo Futuro” nessa quarta-feira (27), quando abordou como temática “A cidade inclusiva: sócio-criativa e inovadora”. Toda a reflexão durante a entrevista e na participação no encontro se propôs a pensar essas possibilidades.
Para ele, o desafio fundamental quando se pensa em inclusão envolve a ideia de que todos precisam ser incluídos. “Os setores periféricos precisam ter acesso efetivo a um conjunto de direitos em termos de equipamentos, serviços, renda, inserção no campo da tecnologia e tudo mais. Os setores médios precisam sair da sua vida individualizada, sua vida trancada, simplesmente numa dinâmica de vida privada e ocupar os espaços públicos e cada vez mais construir coletivamente. O que nós temos nas periferias e favelas é a construção comum do espaço público no espaço público”.
Para se transformar numa cidade do século XXI nos moldes prescritos pelo “Fórum Próximo Futuro”, Juiz de Fora, de tantas alcunhas, deve passar a ser reconhecida como cidade educadora, cidade da convivência, como bem faz questão de ressaltar Jaílson.
“É via, cada vez mais, da criação e transformação da política pública centrada na convivência. Isso não é elemento considerado em nenhuma política pública quando se fala em saúde, educação, em assistência. Se fala em meio ambiente sem se falar em convivência. Isso é o reconhecimento cada vez maior de que o cidadão, mais que um ser que consome, é um ser que convive e deve conviver na diferença. Isso que deve cada vez mais alimentar o processo de criação da cidade”.
A educação como ferramenta que transforma e potencializa, segundo o professor, permite “que a cidade reconheça onde a criatividade está, onde a inventividade está, rompendo com os estereótipos clássicos de dividir a cidade a partir da carência, da falta e da precariedade das periferias e, por outro lado, a ideia de abundância material nas áreas mais ricas. É assim que a gente vai produzir um novo tipo de cidade, muito mais humana, fraterna, solidária, onde a sociabilidade é muito maior”.