Há alguns meses, a palavra “pai” tomou outro sentido para Márcio Guerra e para Flávio Galone. Na realidade, essa ressignificação começou a ganhar forma em 2018, quando o casal tomou a decisão de adotar um filho. Após passarem pelo processo de capacitação na Vara da Infância e de mais um período de espera, o primeiro contato com o Phellipe, de 13 anos, veio em outubro do ano passado. A vida deles se transformou desde então, e este 14 de agosto de 2022 terá um valor mais especial agora que contam com um terceiro integrante na família.
“É um sentimento muito diferente [nessa data] porque se trata da realização de um sonho, de uma vontade muito grande, tanto minha quanto do Márcio”. O desejo de adotar uma criança veio depois de uma visita de Flávio à Associação de Apoio a Crianças e Idosos de Juiz de Fora. Recentemente, eles conseguiram a guarda de Phellipe e, no momento, esperam a adoção definitiva.
Ao contrário de uma gravidez, quando se sabe que uma criança chega depois de nove meses, o processo de adoção é longo e sem uma data definida para ser finalizado. “A ansiedade é muito maior e por muito mais tempo. Inicialmente, nós traçamos um perfil de zero a cinco anos, mas depois começamos a ver a possibilidade de uma criança mais velha e foi uma escolha muito acertada”, diz Flávio.
A felicidade vinda com Phellipe transparece no tom de voz durante a conversa com O Pharol. “Quando tivemos a oportunidade de começar a aproximação com o Phellipe, a gente não teve dúvida de que ele seria o nosso filho mesmo”, contou Márcio, ansioso para celebrar este domingo ao lado do esposo e do filho. “Antes olhava essa data como uma data que celebrava com meu pai. Hoje, o Phellipe está mobilizado na compra de presentes, essas coisas todas, então a gente está muito feliz com esse momento que a gente está vivendo.”
Depois de o mundo ter vivenciado a pandemia da Covid-19 e ainda carregar inseguranças provenientes deste momento, ter um filho apontou para um novo caminho nas vidas de Márcio e Flávio: o caminho da esperança. “A pandemia trouxe muito pavor, muito medo, muita insegurança, e a chegada do Phellipe renova todas as nossas energias e felicidades. Tem sido uma convivência tão afetuosa, tão cheia de amor da parte dele com a gente e da gente com ele, e isso dá uma vitalidade, uma vontade cada vez mais de conseguir contribuir para que ele seja uma pessoa extremamente feliz, que é o desejo de todos os pais”, diz Márcio.
Por outro lado, a paternidade também despertou novos desafios, de acordo com Flávio. “Outro dia, conversando com uma colega que é psicóloga, estava questionando-a sobre o porquê de eu estar com tanto medo, com tanta insegurança, e ela disse que foi porque eu me tornei pai. Pai é isso. É trabalho diário da insegurança de se vai dar certo, se eu estou fazendo certo. Somos duas pessoas já mais maduras que viveram quase trinta e cinco anos de relação, que se doaram um para o outro e, hoje, têm um terceiro membro nessa família cujas atenções são todas voltadas para ele.”
As experiências vividas pelo casal com o novo filho têm despertado um novo olhar também para a questão da adoção tardia, de crianças mais velhas. “Pessoas têm dito para a gente que a nossa ação tem servido de estímulo para quem já tinha o desejo de adotar mas não estava mais pensando nisso, por conta de ser uma adoção de um casal homoafetivo e de ser feita de forma tardia, porque não é muito comum uma adoção de uma criança de 13 anos, e também pela idade que a gente está. Para quem tem essa vontade, eu recomendo fortemente para não perder oportunidade”, afirma Márcio.
Para Flávio, mais do que celebrar o Dia dos Pais, há uma importância em desmistificar este tipo de adoção por conta de uma idealização por parte de grande parte dos casais. “É preciso olhar a criança que vai além da criança recém-nascida, ou de um ano ou dois anos, aquela mentalidade que a gente tinha quando entrou no processo de adoção. É falar para as pessoas que gostariam de ser pai, de ser mãe, para terem um olhar mais sensível porque é uma experiência muito rica.”
Quando a empresa onde Lucas Pinheiro trabalha retomou com as atividades presenciais, ele passou a adotar um rígido protocolo sanitário todos os dias ao voltar para casa. “Tirava a roupa e os sapatos numa área externa. Depois tomava banho, passava álcool nas mãos e, somente então, podia me aproximar dos meus filhos.”
O ritual repetido dia após dia nem sempre era compreendido pela Helena e pelo Samuel, que estavam confinados em casa e queriam muito a atenção do pai. “Foi um período de muito medo, muita insegurança. A gente não sabia o que estava acontecendo. Depois começaram a fechar tudo e veio a preocupação de perder o emprego”.
As lembranças da pandemia ainda são muito recentes para o Lucas Pinheiro e para muitos outros pais que passaram os últimos dois anos no exercício diário de superar o medo e a insegurança. Hoje, com a vacinação de adultos em estágio avançado e crianças a partir de 3 anos já tomando a primeira dose, o Dia dos Pais será diferente. Vai rolar até abraço sem máscara.
Para Lucas Pinheiro, o medo foi aos poucos se distanciando, mesmo com uma série de cuidados ainda persistindo. “A vida foi voltando ao normal. Superamos a fase mais difícil. Hoje o vírus é mais conhecido”. Restou, segundo ele, um aprendizado. “Aprendi a dar mais valor para minha família. Fiquei mais tempo com meus filhos. Fizemos atividades escolares com eles. Ao mesmo tempo aprendi a olhar mais para fora, ver os outros, suas dificuldades.”
Quando a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou que a contaminação de Covid-19 foi elevada à condição de pandemia, em março de 2020, o pequeno Pedro estava em seu segundo mês de aula e mal havia começado o período de socialização. “Aí veio a pandemia e ficamos em casa. Mas imagina ter uma criança asmática no contexto da pandemia. Não deixávamos ninguém chegar perto”, lembra o pai, Mateus Clóvis.
Os receios já eram muitos antes da pandemia, quando o Pedro com asma começou a frequentar a escola. Com o novo coronavírus, a situação ganhou mais gravidade. O cuidado era tanto, conta o pai, que o Pedro não teve nada durante os primeiros meses de pandemia. Por outro lado, o isolamento acabou gerando a necessidade cada vez maior de socialização.
“No final de 2020, decidimos mudar para um novo lugar, onde moravam alguns amigos com filhos, o que facilitaria a socialização. Éramos três amigos com crianças morando no mesmo condomínio”, explica Mateus Clóvis. A mudança acabou revelando uma mudança de comportamento. “Passamos 2021 com acompanhamento psicológico e convivência com os amigos no condomínio”.
Em 2022, uma nova decisão e novos receios. O Pedro teria que voltar para a escola. “Foi difícil, mas ele acabou indo. Todos os cuidados foram tomados.” Ele não pegou covid e agora, no último mês, conseguiu tomar a primeira dose da vacina”, comemora o pai.
“Tivemos muito medo. Era um caso de asma. Mudamos de endereço, mudamos de vida. A rotina de trabalho no home office, o medo, a insegurança…. tudo foi um desafio muito grande”, resume Mateus Clóvis. Agora, segundo ele, é “bola pra frente”. Entre seus planos para 2022, está a retomada do projeto PAREPAIS (PApo REto com PAIS), que propõe uma troca de experiências entre pais.
Lucas Cassab foi pai duas vezes durante a pandemia. “Minha esposa ficou grávida em setembro de 2019, e minha filha nasceu em maio de 2020. E meu outro filho nasceu em dezembro de 2021. Havia uma apreensão muito grande.” O desafio era permanecer em casa a maior tempo possível para evitar o contágio.
“Tomamos todos os cuidados possíveis. Raramente saíamos de casa. Não tínhamos contatos com parentes. Foram muitos os receios de morrer”, lembra Lucas Cassab, que conseguiu trabalhar em home office, assim como sua esposa. A filha mais velha também seguiu com os estudos de casa.
O medo e a insegurança seguiram até o início da vacinação. “Hoje estamos melhores. Veio a vacina e estamos bem. Ainda temos preocupação com a mais nova que ainda não tem vacina. É preciso ter cuidado, mas vamos seguir. A vida venceu medo, a vacina venceu o medo, a ciência venceu”.
Para Kaike Fernandes, que é pai do Moreno, de apenas 2 meses e meio, falar como um pai da pandemia atualmente parece um contrassenso. “As pessoas não se comportam mais como em um período pandêmico”.
Ele conta que, desde o inicio da pandemia, buscou manter o máximo de cuidado. “Com a descoberta da gravidez da Simone não foi diferente”. Mesmo com a vacinação em dia, o receio maior era de sua esposa ter covid durante a gravidez ou mesmo após o filho nascer. Mas nada disso aconteceu.
Com o nascimento, vieram outros medos. “Ao nascer foi complicado, pois todos querem conhecer, querem pegar. As pessoas não compreendem que qualquer exposição a uma pessoa assintomática pode ser suficiente pra ele pegar covid, para nós pode dar apenas sintomas leves, visto que já nos vacinamos, mas para ele pode ser fatal”.
Kaike Fernandes conta que chegou a considerar a hipótese de não deixar nem os parentes mais próximos conhecer o Moreno. “Mas entra o conflito: vamos privar as pessoas e o Moreno de ter vivências e experiências, sejam elas mínimas possíveis, com os avós ou tios, ou vamos correr o risco?”
Para ele, a vida ainda não venceu o medo. “O Moreno a cada dia enfrenta um mundo novo que para nós como pais é novo também. Novos costumes, novas doenças (toda semana) e nós estamos aí, aprendendo e enfrentando juntos até sabe-se lá quando.”
Gustavo Burla, que também se tornou pai na pandemia, considera ter um filho sempre um risco. “Desde os fisiológicos até os sociais (imagina se ele torce pro time errado ou vota na direita!).” No seu caso, a decisão foi pela esperança. “Dar esperança para a vó que estava morrendo, trazer esperança aos que ficaram.”
Ele conta que, por conta da doença da avó, que vinha com um câncer causado pelo cigarro, os cuidados com o filho não foram novidade e seguem intensos até hoje. “O principal é confiar nas pessoas, porque o pequeno não foi vacinado e não usa máscara. É essencial que quem se propõe a encontrá-lo tenha consciência dos riscos.”
Para Gustavo Burla, o ideial é que seu filho “saia e viva numa sociedade sem máscaras, mas pra isso acontecer logo é essencial que todo mundo tape a cara e pense no coletivo”.