Conjuntura

Afinal, como existe até hoje uma monarquia britânica?

Elizabeth e Philip durante cerimônia de casamento em 1947, primeiro grande evento real transmitido pela TV - Divulgação/ Royal.uk

Após 36 anos do lançamento de “The Queen Is Dead”, pela banda de rock inglesa The Smiths, morreu na última quinta-feira (8) a rainha Elizabeth 2ª que completou, em 2022, 70 anos de reinado. A monarquia, porém, continua viva e contando… Afinal, qual o segredo para um sistema como o da monarquia britânica perdurar até hoje?

Com o segundo reinado mais longo da história, Elizabeth ficou atrás somente do Luís 14, da França. Ainda assim, a diferença foi mínima, dois anos separam a antiga matriarca britânica da pessoa que ocupou o trono por mais tempo.

Mas, diferentemente dos franceses que, em 10 de agosto de 1792, colocaram um ponto final na monarquia, a longevidade dos britânicos se reflete também na duração da Monarquia Nacional Inglesa, uma das primeiras a se formar entre os séculos XI e XIII e que ainda está em vigor.

Não existe uma receita por trás dessa longevidade, mas várias. Foram necessários vários arranjos ao longo do tempo para que a coroa britânica fosse uma unidade estável na Europa. O forte parlamentarismo, saldo das revoluções inglesas, é o primeiro indício para destrinchar a solidificação de uma monarquia em pleno século 21.  

A partir do parlamentarismo, os interesses dos grupos dominantes passaram a ser atendidos à medida que a presença dos poderes locais ganhou espaço. No século 19, a monarquia mais se aproxima de um simbolismo do que de um poder ativo, porém, a força da convenção que símbolos possuem se mantém como um de seus pilares até hoje.

A estratégia britânica também merece seu lugar de destaque, conforme explica a historiadora Silvana Mota Barbosa, professora do departamento de História Contemporânea na Universidade Federal de Juiz de Fora.  Ela conta que, embora a monarquia já tivesse antes a estrutura atual, suas tradições foram inventadas. 

“Antes a monarquia era recheada de rituais inadequados e pouco atraentes. Então, o ritual como conhecemos hoje, dos grandes casamentos aos grandes enterros, foi uma tradição inventada”, avalia a historiadora. No livro “A invenção das Tradições”, os autores Eric Hobsbawm e Terence Ranger cunham o termo “tradição inventada” para se referir às práticas inglesas que foram desenvolvidas entre 1870 até 1914 para construir uma nova imagem pública, garantindo a monarquia sobreviver às custas de simbolismo e de popularidade. 

A transmissão do casamento de Elizabeth e Philip em 1947 é um bom exemplo dessa prática. Se por muito tempo os casamentos eram privados, a transmissão pela TV do matrimônio real ofereceu uma nova escala à massificação da família real. A largada foi dada. A partir daí, outras grandes cerimônias foram transmitidas e a internet alavancou a potencialidade do marketing da monarquia inglesa.

A capacidade de adaptação ao longo das décadas foi um trunfo. Silvana Barbosa ressalta que não se trata de como eles quebravam tradições, mas da habilidade de inventar novas. A finalidade não podia ser outra: criar simbolismos e rituais que garantisse a unidade da nação. 

No século 21, um reinado, mais do que nunca, precisa de seus súditos. O povo mantém a família real não apenas economicamente, mas também com seu interesse pela nobreza na vitrine. 

Uma força que continua

Mas como seguirá a monarquia britânica após a morte da rainha Elizabeth 2ª? Perderá força ou seguirá se reinventando? A historiadora Silvana Barbosa é taxativa: “A monarquia vai continuar criando e recriando tradições.”

Como o filho mais velho da rainha Elizabeth 2ª, o agora rei Charles 3º, vai demandar mais tempo para os britânicos e o mundo saberem. A rainha manteve as rédeas em situações polêmicas da família real à frente de um império.

Charles 3º terá outros desafios, inclusive dentro da realeza. A seu favor, segundo Silvana Barbosa, há a distância entre a morte de princesa Diana e  Elizabeth 2ª, garantiu um “esquecimento” dos conflitos do casal. Pautas atuais, como as ambientais, dão ao novo monarca uma boa perspectiva.

Outro aspecto que pode trazer uma leveza para o reinado de Charles 3º, segundo a historiadora, é a possibilidade de ser um período transição de sua mãe para seu filho, William, Duque de Cambridge, como um recado de modernização. 

A historiadora lembra, entretanto, que a herança em questão vai além de um trono e remonta o colonialismo. Aproveitando do gancho, ela critica um discurso que vem sendo disseminado nas redes sociais de que a rainha dedicou sua vida inteira ao trabalho. “Na verdade, isso não é um trabalho, sempre foi a respeito de herança, são bens e que são transmitidos por gerações”.

* Estagiária sob supervisão de jornalista profissional.