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UFJF registrou 24 denúncias de assédio virtual, moral e sexual nos últimos 20 meses

Uma aluna de odontologia vai para mais um dia de aulas na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Seu professor ao ver suas unhas pintadas resolve tratá-la como “tigresa”. Depois tenta beijá-la. A outra aluna, o mesmo professor pede que use apenas jaleco e sutiã.

O mês era junho e o ano 2016. O professor foi denunciado. As alunas e os alunos protestaram. O DCE (Diretório Central dos Estudantes) protestou. Oito meses depois, o assédio foi comprovado e o assediador foi demitido.

Oito mulheres de uma empresa terceirizada trabalham na Faefid (Faculdade de Educação Física e Desportos) da UFJF. Dois servidores técnico-administrativos em educação passam a assediá-las moral e sexualmente. Uma delas é estuprada.

O mês é julho e o ano 2022. Os dois servidores são denunciados pelo Sinteac (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Asseio, Conservação e Limpeza Urbana). Ninguém protesta. A UFJF e a Polícia Civil instauram processos investigatórios.

Em setembro, os acusados retornam às atividades. Ninguém protesta. A UFJF alega que “não há mais amparo legal para que os servidores sigam afastados”. A saída encontrada foi transferir as vítimas, e não os denunciados, para outras unidades da instituição. De novo, ninguém protesta.

Em outubro, os servidores foram indiciados pela Polícia Civil por assédio sexual e estupro. O processo administrativo disciplinar da UFJF ainda segue. Encontra-se, no momento, em análise da sua juridicidade pela procuradoria federal.

Os casos mais notórios de assédio sexual e moral na UFJF, registrados em 2016 e agora em 2022, lamentavelmente não são fatos isolados. Informações obtidas por O Pharol por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que, entre janeiro de 2021 até outubro deste ano, foram registradas 24 denúncias de assédio na instituição.

As vítimas são em sua maioria servidoras de empresas terceirizadas e alunas de graduação. Há ainda um professor adjunto e outro substituto. Entre os acusados e acusadas estão servidores técnico-administrativos em educação, professoras e um aluno. Metade dos casos já teve desfecho.

Embora o número de denúncias seja superior a uma por mês, a UFJF considera os casos como esporádicos. A instituição lembra que, em 2017, após o desfecho do episódio da aluna de odontologia, foi organizado um ciclo de debates sobre o assunto com a participação de diversos setores e aberto a toda a comunidade acadêmica.

Atualmente, a UFJF possui um fórum para discussão sobre assédio composto por representantes de diversos órgãos e entidades como ouvidoria; núcleo de planejamento, inovação e assistência; comitê de ética; e diretoria de ações afirmativas. O órgão é responsável pela elaboração de um fluxograma de atendimento de situações e casos de assédio.

Em relação às penalidades, a UFJF afirma que pode haver demissão, como já ocorreu. No caso de reincidência de irregularidade, independentemente de seu tipo, há majoração da pena. O tempo de duração dos processos disciplinares, segundo informou a instituição, depende muito da complexidade dos fatos envolvidos.

Especificamente em relação ao caso dos assédios na Faefid, a UFJF não considerou a transferência das oito mulheres para outra unidade como um caso de culpabilidade das vítimas. “As vítimas não tiveram nenhuma perda com a mudança de unidade de trabalho. A medida foi tomada exatamente para protegê-las. O que se deu antes mesmo do retorno dos acusados ao trabalho.”

Assédio sexual no meio acadêmico no Brasil

Mesmo sendo uma realidade cada vez mais comum nos noticiários, há poucas informações estruturadas sobre a violência contra a mulher nas universidades. Os dados disponíveis mais recorrentes são de uma enquete online de 2015 do Instituto Avon/Data Popular que ouviu 1.823 estudantes, de ambos os sexos, e estimou que 67% das universitárias foram vítimas de violência de gênero e 63% não denunciaram.

As denúncias de estudantes, no entanto, aumentaram após os dez casos de estupro levados à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Trote, instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo em 2015 para apurar abusos em instituições de ensino do estado. Foi o advento da primavera feminista, que estourou a partir daquele ano no país, com campanhas como #PrimeiroAssédio e #MeuProfessorAbusador.

Um dos episódios mais recentes de denúncia de assédio aconteceu na UFV (Universidade Federal de Viçosa). O caso foi revelado por uma reportagem da Revista Veja publicada em 30 de setembro. Diversas vítimas apontam o professor do departamento de Letras, Edson Ferreira Martins, de 43 anos, como autor de crimes sexuais, abuso de poder, violências física e moral, assédio sexual e estupro.

A reportagem mostra que, inicialmente investigado pela UFV por meio de uma sindicância interna e depois convertido em processo administrativo, o caso acabou encaminhado ao Ministério Público Federal por conta dos fortes indícios de crimes. O processo criminal corre em segredo de justiça.

As jornalistas Duda Monteiro de Barros e Sofia Cerqueira, que assinam a reportagem, tiveram acesso a mais de 870 páginas com relatos de 11 denunciantes do professor, entre alunas e ex-alunas, que relatam os abusos com riqueza de detalhes. Em um dos relatos, uma mulher de 28 anos relata que foi embriagada e estuprada pelo professor.

* Estagiária sob supervisão de jornalista profissional.