Polytheama

Baguete, pão francês ou pão de sal? Não importa, eis o mais novo Patrimônio da Humanidade

Tão logo soube da notícia, o presidente francês Emmanuel Macron saudou em uma rede social: “250 gramas de magia e perfeição em nosso dia a dia. Um estilo de vida francês. Há anos que lutamos com os padeiros e o mundo da gastronomia pelo seu reconhecimento”.

Sim, senhoras e senhoras, a baguete (do francês baguette) é Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco! Imaterial porque o reconhecimento do órgão cultural das Nações Unidas recai sobre “o fazer artesanal e a cultura da baguete”. É um emblema no mundo agora reconhecido, elemento essencial na vida quotidiana dos franceses. E na nossa também, tá pensando o quê?

Com crosta crocante e miolo macio, a baguete, datada do início do século 20 em Paris, é hoje o primeiro pão consumido naquele país. Todos os dias, cerca de 12 milhões de consumidores franceses batem à porta de uma padaria e mais de seis bilhões de baguetes são produzidas na França a cada ano.

Apenas farinha, água, sal e fermento. E mais nada. A baguete “tradicional” é rigorosamente regida por um decreto de 1993, que visa proteger os padeiros artesanais e, ao mesmo tempo, impõe-lhes requisitos muito rigorosos, como a proibição de aditivos.

Até a diretora geral da ONU, Audrey Azoulay, comemorou num post: “A Unesco enfatiza que uma prática alimentar pode constituir um patrimônio por direito próprio, que nos ajuda a formar uma sociedade”.

No Brasil, o pão comprido para carregar embaixo do braço demorou a dar as caras. Talvez tenha se tornado popular entre os brasileiros com a chegada do Carrefour, segundo me disse a crítica gastronômica Luciana Fróes.

A rede internacional de hipermercados fundada na França em 1959 aportou no Brasil em 1975, com a inauguração de uma loja na Chácara Klabin, na cidade de São Paulo. No ano seguinte, expandiu sua operação para o Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca. Em Juiz de Fora, só chegou em 1998.

Lembro de voltar de lá para casa ainda no carro mordiscando com as pontas dos dedos a baguete quentinha, com um terço dela para fora do pacote de papel. Foi quando descobri que nada tinha a ver com o pão francês ou de sal de DNA português.

Fator local: Maxi Pão

Um pouco antes de o Carrefour chegar com a farinha, a juiz-forana Maxi Pão já estava com a baguette pronta. Isto porque o consultor na área de panificação da marca, Fausto Zaiden, importou um padeiro francês nos primeiros anos de portas abertas para ensinar o modo de preparo e todos os detalhes do pão de fermentação longa e natural que tem em sua composição 80% de água.

“Isso foi bem no início dos anos 1990, ele (padeiro francês) passou uma temporada conosco, e o produto de maior sucesso dele era a baguete francesa que a gente faz até hoje, há aproximadamente 36 anos”, explica. “O que diferencia a baguete do pão nosso de cada dia é que ela leva uma massa levain (fermentação natural) altamente hidratada, o que faz com que a casca seja crocante e o miolo macio. O que provoca uma delicada acidez, e sem química alguma, o que facilita muito o processo de digestão. Saboroso, de aroma super agradável, ideal para quem faz dieta e ou quem tem alguma restrição a glúten”. Um pão normal, ele completa, tem cerca de 65% de água.

O consumo da baguete em declínio em seu forno de origem

Com o boom de pães de fermentação natural, há um declínio no consumo da baguete clássica. Estima-se que, em 1970, havia cerca de 55 mil padarias artesanais (uma padaria para 790 habitantes) na França, contra 35 mil hoje (uma para dois mil habitantes), ou seja, um desaparecimento de 400 padarias por ano em média durante 50 anos.

A palavra baguette surgiu no início do século XX e foi apenas entre as duas guerras que se tornou corriqueira, segundo o Instituto Europeu de História e Culturas Alimentares, que integra a comissão científica que elaborou o dossier para Unesco. A baguete, como ressalta o instituto, era considerada um produto de luxo. As classes trabalhadoras comiam pães rústicos, que tinham uma conservação melhor. Até o consumo se generalizar, nas décadas de 1960 e 1970.

Entretanto, há uma corrente de historiadores que defende sua origem nos tempos de Napoleão, sustentados pelo argumento de que, antes do imperador, os pães eram redondos para manter a conservação. Essa forma havia sido inventada pelos padeiros de Napoleão a fim de que pudessem ser facilmente transportados pelos soldados num bolso da calça.

Hoje em dia, uma “varinha” ou “bastão” – como também é conhecida – é vendida por cerca de 1 euro cada.

A lista de Patrimônio Cultural Imaterial da ONU (Organização das Nações Unidas) já detém cerca de 600 tradições de mais de 130 países.