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Programa de índio

Crianças Yanomami (Foto: Reprodução/Fantástico)

Nem com essa alcunha retrô — “índio” — o governo do genocida Jair Bolsonaro teve algum programa. O resto só é silêncio em Hamlet e no já citado governo retrô(grado), porque na democracia há vozes e elas ecoam. Que esses gritos se espalhem logo e sejam ouvidos com prontidão, para que não cheguem aos sussurros dos yanomamis quando da visita de Lula.

Sussurros porque gritaram para surdos durante muito tempo. São textos e textos, matérias e matérias, fios e fios em redes sociais contando isso, por isso aqui vai um só, da Júlia Dolce (@JuliaDolce_), bem didático, pessoal e referendado. O que acontece naquelas terras não vem de hoje. Tem todo um sistema implantado aqui no país embasado em espelhinhos cinco séculos atrás e estudos ignorados vindos de dentro e de fora das terras exploradas.

Entre todos os males ali existentes e que gerarão consequências para o mundo, convém escolher um que todo mundo pode reconhecer: a fome.

Para os yanomamis, conhecedores do tempo e do espaço em que habitam, passar fome não é uma questão de “a reunião demorou demais e já pedi no aplicativo quanto tava no Uber”. Embora donos de aplicativos de comida ou transporte no mais das vezes também explorem tempos e espaços de outros para lucrar. A fome dos yanomamis é política.

Para explicar isso de um jeito mais fácil, sem precisar falar de demarcação de terra, garimpo, contaminação, sustentabilidade e preconceitos históricos, basta entender o que é comida de verdade. Quem levanta essa bandeira com classe e embasamento é a Rita Lobo, que geralmente apanha nas redes sociais quando ‘se posiciona politicamente’.

A frase entre aspas simples nem deveria existir, porque, como ela mesma diz, comida é política. Como ela discute comida o tempo todo (ingredientes, modos de usar, aproveitamento e, claro, o pê-efe!), tá sempre na pauta da política. Não é somente quando fala do limão miliciano ou da fome dos yanomamis que trata de política, mas alguns, os que se restringem a ler dosagens e tempos de preparo, entendem apenas nessas horas.

No colégio, estudando a fome em países africanos, uma professora disse, em resposta a um aluno: não adianta chegar lá com um monte de comida, tem que ensinar a comer.

Quem tem fome tem pressa, slogan bom para arrecadar doações, mas elas precisam de orientação na distribuição. Um organismo subnutrido precisa reaprender a comer. É esse o dano causado pela (mais uma) omissão do governo Bolsonaro. Levar cestas básicas não resolve a situação dos indígenas.

Eles precisam de acompanhamentos especializados, alimentos regrados, apoio para que se restabeleçam enquanto povo capaz de viver da terra (desde que sua terra continue viva) e apto a comercializar com outros povos em condições justas.

A alimentação brasileira tem privilégios como poucas no mundo. Diversidade de solos, de sementes e de climas. Da mandioca ao vinho, o que se planta, dá. O chão e o que incide sobre ele devem ser sentidos e usados para aprimorar a qualidade de vida. Envenenar tudo isso e os que melhor entendem dessa terra é fechar as portas do futuro.

Hoje há equipes de trabalho onde antes havia ecos no vazio. O governo se mobiliza, em projeto interministerial, para sanar uma crise que não vem de fora. A PF abre inquérito para investigar se é genocídio o que foi feito naquele espaço. É um dano que lembra Brumadinho, no rompimento da barragem: sabia-se, mas fizeram ouvidos moucos. Muitos dos que alertaram morreram na lama. Muitos yanomamis morreram, mas outros tantos estão lá e precisam ser ouvidos. E, se houver justiça, a baniwa lançada nos olhos dos irresponsáveis do governo Bolsonaro será ainda refresco.

Em tempo: enquanto Lula retomava parcerias com os vizinhos latinoamericanos, o companheiro Alkmin foi presidente. Anos atrás isso não seria visto com tanta tranquilidade.