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Como a luta pelo uso do espaço público transformou o carnaval de Belo Horizonte

São esperados 5 milhões de foliões no carnaval de BH (Foto: Alexandre guzanshe/Belotur/Divulgação)

O professor de biologia Antônio Marcos Toledo vai se aventurar no carnaval da “cidade grande”. Depois de ter passado a folia nas cidades da região, ele desembarca nesse final de semana em Belo Horizonte. “Sempre existiu uma vontade de conhecer o carnaval da nossa capital, que por sinal é muito bem falado.”

Sim, o carnaval de BH, como é tratado pelos foliões, é bem falado. “O carnaval de lá ficou famoso, todos que já foram para lá recomendam. Tem muitos blocos, muitas opções gratuitas e para quem quiser pagar”, explica a psicóloga Carolina Gatto, que vai estrear na maior folia do estado.

Para a estudante Mariana Guiciard, o carnaval de BH é, sim, bem falado, famoso, mas deixou de ser novidade. “Eu já tinha ido para lá nos dois anos antes da pandemia e gostei muito”. Agora ela está de volta. “A cidade que nasci também não tem carnaval tão movimentado, e a tradição de Juiz de Fora é mais de pré-carnaval, então BH é uma boa opção”.

O carnaval que Antônio e Carolina vão ver e que Mariana vai rever em Belo Horizonte será bem maior do que no período pré-pandemia. Foram inscritos para este ano 493 blocos de rua. O número supera de longe os 347 cadastrados no último carnaval, em 2020. Como alguns deles desfilam mais de uma vez, estão previstos para este ano 538 cortejos.  Alguns já ocorreram nos últimos dias.

A Prefeitura de Belo Horizonte estima reunir 5 milhões de foliões, o que deve se configurar no maior carnaval da história da cidade. Desde que os blocos de rua voltaram a ganhar força a partir de 2009, o público que toma os bairros da capital mineira cresceu exponencialmente. Neste ano, a folia deve movimentar R$ 600 milhões e gerar mais de 20 mil empregos diretos e indiretos.

Em um levantamento realizado pela plataforma Booking.com para descobrir os destinos nacionais mais reservados por viajantes brasileiros no Carnaval, no período entre 18 e 22 de fevereiro de 2023,  Belo Horizonte surge no honroso quinto lugar. Em primeiro aparece o Rio de Janeiro, seguido por São Paulo, Florianópolis e Salvador.

‘Praia da Estação’

Mas nem sempre foi assim. O início do movimento de retomada dos blocos de carnaval de rua em Belo Horizonte no feriado oficial tem como marco o ano de 2009.  Foi em dezembro desse ano que o prefeito Márcio Lacerda editou um decreto proibindo a realização de qualquer tipo de evento na Praça da Estação. Foi a gota d’´água.

No livro “Sob a ‘Lente do espaço vivido’: a apropriação das ruas pelos blocos de carnaval na Belo Horizonte contemporânea”, a arquiteta Paola Lisboa Coda Dias conta que, em janeiro de 2010, um mês após a edição do decreto, foi criado movimento reivindicatório de apropriação da Praça da Estação. Conhecido como “Praia da Estação”, seus integrantes eram contra às restrições de uso do espaço público.

Articulado pela internet, “Praia da Estação” propôs uma nova forma de manifestação política da sociedade civil, a partir de uma intervenção urbana, performática e festiva que transformou a praça em uma espécie de praia. Com centenas de participantes, muitos de sungas e biquínis, o movimento começou num sábado de janeiro e seguiu nos próximos finais de semana.

Quando o decreto foi revogado em maio de 2010, a “Praia da Estação” já havia se tornado um bloco carnavalesco e inspirado outros nove. E, nos anos seguintes, mais blocos foram surgindo. A chegada de milhares de foliões ano após ano, no início, não foi bem recebida pelas autoridades, como o Corpo de Bombeiros, o Ministério Público Estadual, a Polícia Militar e os próprios órgãos públicos municipais.

Paola Lisboa considera que, no período entre 2011 e 2013, “esses órgãos não entendiam o desfile dos blocos de carnaval de rua como uma manifestação cultural, e sim como um evento que, segundo a lei do Código de Posturas de Belo Horizonte, precisa de licenciamento prévio para sua realização”. Por isso, eram exigido dos blocos medidas como cercamento da área, limitação do número de participantes e projeto de prevenção de acidentes.

A autora relata, entretanto, que “nenhuma dessas medidas oficiais foi suficiente para conter o desejo dos belo-horizontinos de se apropriarem novamente das ruas e praças da cidade para brincar a festa carnavalesca.” A cada carnaval, novos grupos iam sendo criados em Belo Horizonte, inspirados e incentivados pelo sucesso dos anos anteriores.

O expressivo crescimento do número de blocos de carnaval de rua e de seus foliões incentivou a Prefeitura de Belo Horizonte a repensar sua postura frente à festa carnavalesca como um todo. Assim, a partir de  2014, a Belotur (Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte) iniciou a montagem de palcos em várias regiões e promoveu o retorno do desfile oficial das escolas de samba e grupos caricatos à avenida mais importante da cidade, Avenida Afonso Pena.