Geralmente aprende-se a dar aulas com bons professores e com alunos de todos os tipos. Ou com maus professores. Me recordo da Cida Almeida, na mesa de abertura dos 50 anos do curso de Geografia da UFJF, citando nomes importantes daquele meio século, inclusive um que “me ensinou o que eu não deveria fazer”. Professores ensinam a dar aula.
Nunca tive aula com a Thereza Leite.
A Thereza Leite me ensinou o que era uma sala de aula.
Este texto será insuficiente pra tudo, mas vamos seguir.
Foi a Soninha Miranda quem me indicou pra ela, pra dar aula de Literatura no Magister, recém-expulso da casa na Braz Bernardino. Uma metáfora do mercado matando a boa educação.
Fui lá, conversei com ela achando que era entrevista de emprego, mas ela mais queria me entender do que me arguir. Desde aquele dia até meu último dia no colégio, que foi o último dia do colégio, tomei mais esporro (e com todo o tipo de palavreado) do que em qualquer outra instituição, mas sem que qualquer frase perdesse a ternura. Jamais.
Therezão era foda. Phoda!
Contando histórias dos outros, resolvia qualquer problema, num brechtianismo perfeito. Ao contar o lá e então falava do aqui e agora sem perder o impacto narrativo. E mais: ganhava aplausos no final, mesmo de quem estava tomando o esporro (de novo essa palavra, embora parecesse uma conversa de bar).
Ainda longe de ser sindicalista, ouvi a melhor explicação sobre liberdade de cátedra da boca dela: “detesto sala com janelinha; você tá passando na hora em que o professor precisa dar um cacete (isso é metáfora) num aluno e como diretora, se você vê, você precisa tomar uma atitude; mas o professor pode ter precisado tomar aquela atitude, sem a janelinha dá tudo certo.”
Em encontros de professores do Magister, mesmo os que não estavam mais no quadro pareciam cúmplices de Sala dos Professores. Há até os que se tornaram colegas depois, em outras instituições, como o valoroso Adson Vargas, que achei que tivesse conhecido ali, mas que me conheceu correndo entre as pernas (nem tão grandes) dele quando foi monitor da minha mãe. Era um pouco como o Grupo Divulgação, em que fazer parte da história te torna culpado justamente disso.
Foi no Divulgação que comecei a dar aulas (as turmas com os vizinhos, na infância, não foram aceitas pela previdência). O Divulgação tem o Magister (o GMT) na história. O Zeluiz e a Malu têm a Thereza na conversa pedagógica. Por isso, tendo começado ali no GD, foi fácil entender a sala de aula dos ensinos fundamental e médio do colégio
A Thereza nunca quis me ensinar Literatura, que era minha cadeira, ou Filosofia ou Teatro, de onde vinham minhas influências. A impressão era de que ela nunca quis me ensinar nada, como Sócrates.
No entanto, me ensinou que um livro bom não deve ser só meu. Em tempos de desapego (que não consigo), a lição que veio com um livro de presente é constante: “quando gosto de um livro, compro mais dele, pra dar de presente um dia; e guardo.” Faço isso desde então. E dou livros da minha estante também. (Importante não confundir com empréstimos, ainda sou apegado, quero de volta quando for assim!)
Como ela quase nunca ia à Sala dos Professores no intervalo, respeitando que a gente falasse mal dela se precisasse, geralmente conversava com ela no final da aula. O que era horrível, porque não era apenas um tchau e fui: era uma conversa. Até hoje tenho o hábito de não sentar nesse tipo de conversa pra não demorar, talvez venha daí, porque mesmo de pé era uma conversa longa.
Sobretudo quando ela estava montando horário do ano/semestre seguinte. Me mostrava e explicava que “uma aula de Matemática depois da Educação Física perde rendimento…” entre outras pérolas pedagógicas. Ler Paulo Freire, Piaget, Vygotski, Fidel Castro (que ela conheceu) serve pra isso! Pra montar horário. Hoje, junto com a Gilze Bara, faço no CES (UniAcademia) e lembro da Thereza a cada semestre.
Como lembro da Thereza me agradecendo a cada encontro depois que voltei de uma viagem à Europa em que trouxe pra ela uma medalha do Vaticano, que ela deu pra Cláudia, que estava doente. Thereza foi forte, viu uma filha morrer, isso sai da ordem natural da coisas. E viu também um marido morrer. Viu uma escola acabar, e aqui não dá pra dizer morrer, porque carrego, e tantos outros professores e alunos, um pouco do Magister pela vida.
Por isso é difícil falar que a Thereza morreu.
Quando me perguntam o que sou, digo professor. Com orgulho.
Se me perguntarem por que, certamente a Thereza vai aparecer na resposta.
Obrigado.
Acho que esse ficará como o mais belo texto escrito sobre Thereza. Sob a genialidade de Gustavo Burla!
Deveria ser leitura obrigatória de todo(a) e qualquer educador(a)… daqui de Juiz de Fora, do Brasil e de qualquer parte do mundo…
Em vida deveria ter sido reconhecida como doutora honoris causa pela UFJF, mas isso seria muito para alguns…
Seu nome deveria virar nome de uma praça pública de Juiz de Fora, ou de uma rua… ou de uma escola…uma que congregasse bastante gente e que fosse território de passagem de diferentes gentes… Como Paulo Freire, Thereza gostava de gente e, por isso, escolheu ser educadora. A melhor de todas que conheci…