Segunda-feira
“A luta por justiça social começa por uma reivindicação do tempo. Eu quero aproveitar o tempo de forma que me humanize.” Li essa frase do sociólogo e crítico literário Antônio Candido na noite passada, postada no Instagram pela artista Thais Trindade, do perfil @artivistha, e compartilhada pela minha amiga Ana.
A Ana é assistente social na Prefeitura de Juiz de Fora. E está na luta pela regulamentação da jornada de trabalho da categoria no âmbito do Executivo municipal. Em agosto de 2010, a Lei 12.317 — sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelos ministros Carlos Lupi (Previdência), José Gomes Temporão (Saúde) e Maria Helena Carvalho Lopes (Desenvolvimento Social e Combate à Fome) — determinou que a “duração do trabalho do Assistente Social é de 30 (trinta) horas semanais”. Na PJF, quase 13 anos depois, a carga segue sendo de 40 horas.
Não foi por falta de tentativa. Em 2011, os então vereadores José Sóter Figueirôa (MDB) e Wanderson Castelar (PT) apresentaram projeto de lei fixando que a “jornada de trabalho dos titulares de cargo de Assistente Social, considerada a edição da Lei Federal nº 12.317, de 26 de agosto de 2010, passa a ser de 30 (trinta) horas semanais, vedada a redução de vencimentos”. A matéria chegou a ser aprovada pelo plenário no fim de 2012, mas foi vetada pelo então prefeito Custódio Mattos (PSDB), que alegou vício de iniciativa e de legalidade. Entre as razões do veto, o chefe do Executivo argumentou que a lei federal “não tem aplicabilidade aos servidores municipais, haja vista as previsões contidas na Lei Orgânica do Município”.
Terça-feira
A recusa a atender o pleito de assistentes sociais não é prerrogativa de Juiz de Fora. Há outros administradores públicos que se valem de uma brecha no texto para não aplicar a norma. O impasse é quanto ao Artigo 2°, que diz que aos “profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário”. E, com uma “livre interpretação” do que significa “contrato de trabalho”, gestores municipais e/ou estaduais justificam que a lei não valeria para o serviço público.
Para sanar a questão, tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei 2.635/20, de autoria do deputado Gervásio Maia (PSB-PB), que assegura o direito à carga de trabalho de 30 horas semanais a profissionais de assistência social que atuam no serviço público. Mesmo que a proposta, que tramita já há três anos, demore a ser votada, quero muito crer que a reivindicação das assistentes sociais do município de Juiz de Fora será atendida antes. Afinal, Lula voltou a ser presidente da República, Lupi é de novo o ministro do Trabalho, a prefeitura não é mais tucana, o Partido dos Trabalhadores — que sempre defendeu as bandeiras daqueles que lhe dão nome, inclusive a da redução da jornada de trabalho — administra a cidade pela primeira vez.
Quarta-feira
O jornalista Getúlio Vargas, com quem trabalhei por alguns anos, dizia que a quarta era o pior dia da semana. “Porque você já trabalhou dois dias, está cansado trabalhando, e ainda faltam dois para trabalhar.”
Quinta-feira
Talvez seja uma memória fabricada, mas tenho impressão de que a parede da primeira sala de aula em que estudei, na pré-escola, era decorada com uma pintura da fábula da cigarra e da formiga. Sim, poupar para futuros tempos mais difíceis pode ser um bom conselho, embora impraticável para quem mal ganha para sobreviver no já difícil tempo do agora. E a verdade é que a moral da história também pode ser uma lavagem cerebral capitalista na primeira infância. Afinal, a formiga, metáfora desumanizada pela fábula e pela falta de tempo, tem a mentalidade empreendedora de quem trabalha enquanto eles dormem. Ou, no caso, enquanto cantam. Ao contrário do que acontece no texto de Esopo, contudo, é ela mesma que dança.
Sexta-feira
Meu padrasto, cabeleireiro autônomo, que hoje seria chamado de empreendedor, morreu sem nunca ter tirado mais de uma semana de férias. Meu pai, motoentregador — categoria precarizada (embora muita gente insista em chamar de empreendedora) que também deve fazer uma mobilização na próxima semana na cidade —, não foi à minha colação de grau anos atrás nem a um show recente para o qual o convidei porque não podia perder noites de mais movimento na pizzaria. Minha mãe, que nunca “empreendeu” nada e foi celetista a vida inteira na mesma escola, foi proibida, pouco antes de se aposentar, de usar as “janelas” (horas ociosas em que as crianças estavam em aulas específicas, como artes ou educação física) para corrigir provas ou fazer planejamentos, porque, se recebia adicional extraclasse, tinha obrigação de fazer isso em casa, muitas vezes nos fins de semana.
Não há uma única cigarra sequer no meu círculo de convivência. Nem os artistas. Mesmo quem passa o verão (e também as demais estações) cantando, como meu amigo Lucas, músico, não o faz sem precisar carregar instrumentos e equipamentos de som, cuidar sozinho da produção de shows e eventos, dar aulas de música quase todos os dias da semana e passar sextas, sábados e domingos tocando em casas de espetáculo ou festas particulares. Trabalhando sem parar, como formiga.
Sábado
A batalha da minha amiga Ana e suas colegas da Assistência Social pelo que lhes é garantido em lei me faz pensar no quanto essa deveria ser uma prerrogativa de todos os trabalhadores. Contudo, desde 1932 — há 91 anos, portanto —, o trabalhador médio brasileiro é submetido a uma jornada de trabalho de 44 horas semanais (mais se, como os empreendedores citados, ele não tiver carteira assinada), quatro das quais costumam ser cumpridas no primeiro dia do fim de semana. E, na contramão do que se tem adotado e/ou ao menos discutido em outros países, qualquer debate sobre redução (que, nas propostas já apresentadas, nem seria exorbitante, mas apenas retirando essas quatro horas) é emperrado pelas mesmas forças que acham que “modernização” da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) se promove com precarização de contratos, relações e condições de trabalho, como fez, em 2017, a reforma trabalhista.
Domingo
“No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou.” Mas provavelmente só porque, no Éden, não precisava pagar o preço do estacionamento do Parque da Lajinha.