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Colunas

Sociedade sem escola

O Pierre Lévy fala que sociedade sem escrita é sociedade sem escola. Antes da escrita e em sociedades sem escrita há transmissão de conhecimento, mas a sistematização desse processo se dá a partir da invenção da escrita. O contrário tem se tornado possível: uma sociedade com escrita e sem escola.

Desde o golpe civil-militar de 1964, a educação brasileira vem sendo sucateada por duas vias. Uma delas, trabalho intensificado nos últimos anos e, ao que tudo indica, constante no atual governo, passa pela privatização do ensino. Escolas e faculdades se tornam empresas, professores são tratados como funcionários mais do que educadores (colaboradores é o eufemismo) e alunos são clientes. O resto é fatura de cartão de crédito.

O outro caminho é o esvaziamento do senso crítico. O boom das engenharias, pavimentado pelas grandes obras que nem sempre levavam a algum lugar durante os anos 1960 e 70, não precisava vir em paralelo a um sufocamento dos cursos de Humanas, mas veio. Dos ICHLs e afins espalhados pelo Brasil brotavam comunistas como fazem os vendedores de sombrinhas na chuva, ou assim pregavam os discursos mantenedores da ordem e do progresso.

Ainda hoje. A balbúrdia se instala nesses institutos em que estudantes e professores de Filosofia, Sociologia, História e Geografia insistem em educar para o pensamento. Melhor cortar o mal pela raiz, desde o ensino médio, para que ninguém pense no que fazer de faculdade, apenas faça e pague por isso.

Esse esvaziamento de mais de meio século da educação (com poucos momentos de interrupção) se encontra com outra máxima, agora de Albert Einstein, de que as tecnologias avançam com velocidade maior do que nossa capacidade de usá-las. Ou então, aproveitando a refundada parceria do Brasil com a China, Confúcio pode esclarecer o que tem ocorrido, quando afirma que “quem compreender aquilo que é novo através da reutilização do que é antigo pode vir a ser um mestre”.

As tecnologias da comunicação trazem ao mundo esse novo tempo, que nada mais é do que reciclagem do que já deu errado e, pela falta de reflexões, a sociedade leva escolas à suspensão das atividades.

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, conta dos espetáculos em praça pública que eram os julgamentos e as punições de criminosos. Aos poucos, a imprensa passou a acompanhar bandidos em fuga, noticiando que um assassino ou um ladrão fugiu da cidade tal ou escapou mais uma vez. Com requintes literários, os jornais transformavam bandidos em heróis. Os que eram capturados chegavam a gerar manifestações contra o carrasco quando levados para a praça pública.

Isso dois ou três séculos atrás, antes de Guy Debord falar que todo mundo quer mostrar algo na Sociedade do Espetáculo (livro de 1963) ou de Andy Warhol dizer que todo mundo terá direito aos seus 15 minutos de fama.

Quando, finalmente, canais de notícias decidem, em editoriais, que não mostrarão mais imagens como a do menino esfaqueando a professora ou do homem da machadinha entrando na creche, a pólvora já foi acesa.

Quando a presidenta Dilma Rousseff, no contexto da regulação da mídia, fala que o verdadeiro controle é o controle remoto, acertaria se nossa educação não recebesse tantos esforços para o esvaziamento político. Seria ótimo viver na sociedade integrada que Umberto Eco acreditava possível, em que mudar de canal (ou site, aplicativo, estação de rádio…) fosse suficiente. Porém, não é. Sem uma regulação da mídia, o medo se instaura a partir da mentira e do espetáculo.

Sem uma regulação da mídia, escolas como o Colégio de Aplicação João XXIII, referência inclusive política em diversos momentos da história de Juiz de Fora, se obriga a fechar no dia 20 de abril porque o boato é maior do que o respeito que a sociedade tem pela escola.