Contexto

Por que as empresas de ônibus querem acabar com a função de cobrador?

No último domingo (14), os ônibus da Ansal (Consórcio Via JF), empresa que opera o sistema de transporte público coletivo em Juiz de Fora, circularam apenas com motoristas. Os cobradores foram dispensados da escala. Se nada mudar, a empresa pretende adotar o procedimento de maneira permanente todos os domingos.

Os trabalhadores do transporte público coletivo do município consideraram a medida como mais um passo para acabar com a função de cobrador. Para tentar reverter ou ao menos retardar o processo, cobradores e motoristas param suas atividades durante toda a tarde dessa terça-feira (16).

A Prefeitura de Juiz de Fora, por meio de nota publicada em suas redes sociais, considerou o movimento dos trabalhadores para manutenção dos seus empregos como “distúrbios verificados no trânsito da cidade”. Embora se trate de uma concessão pública, o Executivo se eximiu de opinar alegando serem “entendimentos de natureza trabalhista”.

Na mesma nota, a Prefeitura de Juiz de Fora informou não ter sido comunicada “oficialmente” quanto à circulação de ônibus sem cobradores no domingo, embora não tenha anunciado nenhuma medida administrativa após a efetivação do fato. Também não há no comunicado nenhum posicionamento quanto à possibilidade de a medida se repetir nos próximos domingos.

Por fim, o Executivo exigiu o cumprimento da Lei Municipal 14.209/2021, que, conforme a nota, assegura a manutenção dos postos de trabalho. Na verdade, a norma em questão restringe apenas, no segundo parágrafo do artigo 6º, que não se promova demissão coletiva dos trabalhadores.

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, o empresário responsável pela Ansal, Rafael Santana, apareceu ao lado de trabalhadoras do sistema de transporte público e assegurou a manutenção dos empregos. Ele tratou a possibilidade de demissão com o início da circulação de ônibus sem cobradores aos domingos como falha de comunicação.

O Comitê Gestor do Sistema de Transporte, que foi criado pela Lei Municipal 14.209/2021, e instituído em dezembro de 2021, vai se reunir nessa quarta-feira (17) para tratar da questão. Ele é composto por quatro secretários municipais, um representante da Ansal e um representante do Sinttro (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte Coletivo Urbano), que não apoiou a paralisação de terça-feira.

Como funciona o sistema de transporte público de Juiz de Fora

Desde quando o sistema de transporte público coletivo de Juiz de Fora foi licitado em 2006, já havia a previsão de bilhetagem eletrônica, com possibilidade de a função de cobrador ser extinta. Naquela ocasião, a automatização já era realidade em muitos municípios. Mas a legislação citada no contrato assinado pelos consórcios assegurou a manutenção dos cobradores ainda que com outras atribuições.

Como as despesas com a função de cobrador estão embutidas na planilha de custo do sistema, que era mantido exclusivamente com o valor da passagem, a bilhetagem eletrônica avançou timidamente em Juiz de Fora. Para se ter ideia, até a última semana havia apenas um posto físico de venda de cartões no município.

Com a chegada do transporte por aplicativo, que acabou alcançando parte dos usuários do transporte público coletivo devido a uma série de fatores entre os quais a qualidade, o sistema entrou e se mantém em uma rota de constantes desequilíbrios. Esse quadro acabou sendo agravado pela alta dos combustíveis e, principalmente, pela pandemia da Covid-19.

Em tese, a perda de usuários necessariamente levaria ao aumento do preço da passagem como forma de reequilibrar o sistema. O problema é que o valor mais alto para se deslocar por meio do transporte coletivo tornaria o serviço por aplicativo mais atrativo. Para evitar tal círculo vicioso, a Prefeitura de Juiz de Fora rendeu-se às políticas de redução de custos e aos subsídios governamentais.

Nos últimos anos, os dois modelos vêm sendo adotados sistematicamente como forma de manter o transporte público coletivo rodando. Em um primeiro momento se iniciou o que os técnicos da SMU (Secretaria de Mobilidade Urbana) tratam como otimização do sistema, com supressão horários, redução de itinerários e adoção de micro-ônibus.

O modelo, no entanto, foi insuficiente para evitar a colapso financeiro da Gil (Goretti Irmãos Ltda) e depois da Tusmil (Transporte Urbano São Miguel Ltda), que eram empresas de Juiz de Fora e ainda mantinham gestão familiar. Com estrutura menor e menos afetada, a Viação São Francisco Ltda ainda assim acabou mudando de mãos.

Entre as maiores concessionárias, restou apenas a Ansal, que pertence ao Grupo CSC, com operações em vários municípios de Minas Gerais e de outros estados. A empresa apostou no monopólio e numa estrutura enxuta para seguir operando o sistema de transporte público de Juiz de Fora. Mas não demorou muito para ela também requerer reequilíbrio junto à SMU.

Foi então que, mesmo mantendo o processo de otimização, a partir de julho de 2021, a Prefeitura de Juiz de Fora iniciou a política de subsídio público ao sistema de transporte coletivo, com repasses que já totalizaram R$ 66,5 milhões. Dessa forma, a prefeita Margarida Salomão (PT) está conseguindo manter a passagem no mesmo valor desde o início de sua gestão.

Entretanto, mesmo tendo recebido R$ 9,2 milhões em subsídios nos dois primeiros meses deste ano, a Ansal vem insistindo com o Executivo quanto à necessidade de reequilíbrio. Sem um acordo com o Comitê Gestor do Sistema de Transporte, a empresa ensaia colocar em prática a segunda fase do processo de otimização, que envolve a redução de custo com a extinção da função de cobrador.

Processo é mercado pela falta de transparência

A implementação do processo de otimização do sistema de transporte público coletivo de Juiz de Fora, bem como a recente política de subsídio público municipal ao setor, são marcadas pela falta de transparência. Os canais para reclamações disponibilizados pela Prefeitura de Juiz de Fora estão repletos de indagações quanto às mudanças e supressões de horários.

A última planilha tarifária dos ônibus disponibilizada pela Prefeitura de Juiz de Fora, que serve como base para se avaliar a necessidade ou não de reequilíbrio financeiro do sistema, é de 2019. O Pharol solicitou há dois meses informações ao Comitê Gestor do Sistema de Transporte quanto aos critérios adotados para concessão de subsídios e até hoje não obteve respostas.

A Lei Municipal 14.209/2021, que instituiu a política de subsídio ao sistema de transporte público coletivo de Juiz de Fora, obriga o município a disponibilizar na Lei Orçamentária Anual os valores que serão repassados para a concessionária. Tanto em 2022 quanto neste ano, o recurso alocado no orçamento é muito aquém do efetivamente realizado, que é feito por meio de créditos suplementares.

Em relação especificamente à extinção da função de cobrador, O Pharol questionou a Prefeitura de Juiz de Fora quanto ao impacto das despesas com os cobradores no custo total do sistema. Também foi indagado se a economia feita com apenas motoristas nas escalas de domingo será repassada para o cálculo valor da passagem. Nenhuma das questões obteve resposta.