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Alô, alô, marciano

São Paulo (SP) - Apresentação da cantora Rita Lee no Festival do Chocolate, em Ribeirão Pires, em 29.07.2011. Foto: Flickr/Carol Mendonça

I.

Eu poderia ter escrito sobre Rita Lee na semana passada, mas na semana passada não ouvi Rita Lee. Semana passada senti a perda de Rita Lee, como um tanto enorme de gente também sentiu, mas, por algum motivo, não pus sua música para tocar, como se a morte tivesse calado sua voz, como cala a de um outro tanto enorme de gente (às vezes até a vida mesmo cala). Só nesta quarta-feira (17) é que substituí os podcasts que me fazem companhia diária pela voz de Rita Lee. E percebi que talvez pudesse escrever sobre Rita Lee ainda por muito tempo.

II.

Na última terça (16), o músico João Lee, filho do meio de Rita Lee e Roberto de Carvalho, revelou à imprensa que a mãe deixou um acervo inédito de músicas, algo que o noticiário tratou de descrever como capaz de manter a carreira dela viva mesmo após sua partida. A verdade é que o acervo de não inéditas também podia. Pode. O que me chama mais a atenção é que a carreira de tuiteira também está a salvo. Segundo João, além das canções, a herança inclui um caderno com cerca de 400 páginas de tuítes e frases irônicas. Como se fosse preciso buscá-los, isso sim é que é ironia, além de suas músicas.

III.

“Eu juro que é melhor […] pensar que Deus sou eu.” São 47 caracteres com espaços. Até a estrofe inteira, com as palavras suprimidas aqui, têm apenas 70 caracteres, a metade do que um tuíte podia ter em tempos outros. Os colchetes e reticências, porém, são necessários para evidenciar as palavras exatas dos versos de Rita Lee e Arnaldo Baptista das quais, nos últimos anos, não faltaram juiz e procurador tentando se apropriar. Não conseguiram, porque, como sempre souberam todos os que estão de saco cheio da excrescência calhorda da horda das Excelências em questão, elas ficam indiscutivelmente melhores na voz e nas intenções de Rita.

IV.

Anos atrás, no colégio católico em que dava aulas, minha mãe foi chamada à atenção por usar (ou querer usar, não me lembro bem), numa apresentação das crianças, então com 10 anos, a música “Nem luxo, nem lixo”, também de Rita e Roberto. Minha mãe está viva e não tem Twitter, mas já me adiantou a herança e Rita Lee faz parte do espólio. Foi em casa que aprendi a ouvi-la, assim como a tantos outros artistas da MPB que já nos deixaram ou que ainda estão aqui.

V.

Sobre o que vou escrever hoje?, penso, ouvindo Rita. O assunto do dia é meio óbvio. Afinal, tá cada vez mais down the high society.

VI.

Dias antes da abertura do inventário de tuítes e canções feita pelo irmão, o artista plástico Antônio Lee, o caçula, publicou no Instagram outro legado da mãe: o último autógrafo assinado por ela, já no hospital, para o neto Arthur, de 5 anos, filho de Antônio com a escritora e podcaster Camila Fremder. Na imagem se vê dois discos voadores desenhados por mãos já flagrantemente trêmulas. Discos voadores que, segundo o filho mais novo, eram a marca registrada dos autógrafos da mãe.

A Folha de S. Paulo publicou matéria sobre a postagem no último domingo (14), reproduzindo um momento de triste ternura com o intuito, talvez, de se redimir de um título polêmico divulgado no dia da morte da cantora e compositora: “Rita Lee, rebelde desde a infância, se deixou guiar por drogas e discos voadores”. A relação da Rita Lee com as drogas nunca foi escondida, nem por ela mesma. Tampouco a crença na ufologia. Portanto, o assunto não é tabu e a culpa não foi do texto, mas do título, que quase nunca é responsabilidade do repórter. O caso é que a construção do chamariz dessa matéria revela uma belicosidade desnecessária, mas que lamentavelmente é marca de alguns veículos jornalísticos. No mais, qual é Folha? Tem gente que se guia por discos voadores e tem gente que se deixa fazê-lo por powerpoints de ex-procurador e — em breve, espero, encerrados os trâmites — ex-deputado cassado.

Sou bem mais a Rita.

VII.

Dura lex sed lex. Ou pau que dá em Chico dá em Francisco. Na terça, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) terminou o julgamento de um registro de candidatura com base na Lei da Ficha Limpa, muita gente deve ter agradecido ter saúde para gozar no final.