Lancei um livro de poemas na última segunda-feira (29). Eu, que nunca fui poeta, a não ser em inocentes e pueris versos de amor adolescente — e também num poema rimadinho sobre o colégio que foi parar no jornal do grêmio estudantil quando eu tinha 12 anos —, lancei um livro de poemas intitulado “Minha língua procura palavras que tenham gosto de bala de maçã”, pela editora Patuá, de São Paulo, que é incrível, premiada e uma das raras no mercado editorial brasileiro que dá espaço para novos autores sem cobrar por isso.
Só isso já seria um prêmio — e de fato é — não fosse a sensação de que, além de não ser poeta e os versos me vestirem como a um corpo estranho, lançar um livro de poemas em 2023 parece um pouco anacrônico. Procurar por palavras que tenham gosto de bala de maçã também. Quer dizer, as balas Lilith, ao que tudo indica, continuam vendendo bem há décadas e até podiam me patrocinar, porque como disse o fotógrafo e amigo Caio Lima, fiz um merchan subliminar e tanto. Contudo, se em 2023 as balas de maçã verde que minhas papilas gustativas tocam continuam tendo o exato sabor azedinho e extremamente doce das balas de maçã verde da minha infância, as palavras necessariamente não.
“É por isso que vocês as procura”, vocês podem me dizer. Porque tanto acidez quanto doçura — essas mesmas que se confundem na língua — não têm sido bem compreendidas e causam ainda mais confusão na Língua. Nos jornais, nos sites de notícias, nas redes sociais, nos aplicativos de mensagem, nos discursos, algumas vezes até nos livros, é mais fácil encontrar palavras que tenham gosto de bile.
E aí, novamente, escrever poemas parece anacrônico e meio inútil porque eu, que gosto tanto de subverter os significados das palavras, era mais contente quando, na ingenuidade da infância, elas tinham significados mais restritos:
quando bala servia para adoçar, não destroçar a boca de alguém;
quando lira era só o instrumento de cordas símbolo dos músicos e poetas, de Orfeu a Álvares de Azevedo;
quando marco, com o M maiúsculo, acompanhado de Polo, era o nome do filho de uma colega de trabalho da minha mãe;
quando temporal era a chuva forte lá fora;
quando falar de meio ambiente motivava a plantar árvores, não a apoiar a devastação de florestas para garimpar o que quer que seja, ouro ou petróleo;
quando arcabouço nunca tinha sido ouvida e, se fosse, teria sido entendida como o calabouço dos castelos de desenhos infantis;
quando presidencialismo e parlamentarismo eram duas coisas entre as quais os adultos tinham que escolher num plebiscito (monarquia, convenhamos, não era opção nem para quem ainda tinha idade para acreditar em filmes de princesas);
quando coalizão ainda se confundia com colisão.
(Se bem que, ao que tudo indica, ainda se confunde.)