Na última semana o Brasil literário comentou a falha da Companhia das Letras na inscrição para o Prêmio São Paulo de Literatura 2023. As 28 obras inscritas pela editora foram “inabilitadas” devido ao descumprimento de uma norma do edital: envio dos originais. A primeira parte das inscrições foi feita on-line, a segunda pedia o envio de 10 exemplares de cada obra inscrita.
“Por conta de um erro interno” é como começa uma das frases do pedido de desculpas que a editora publicou para seus autores. Inês é morta, fica o pedido e a reflexão sobre esse erro interno. De logística, organização, planejamento pode até ser falha da editora, mas o panorama é mais amplo.
O crescimento das possibilidades de comunicação digital, sobretudo a democratização das formas de distribuição (uma das três forças da Cauda Longa elencadas por Chris Anderson) permitiu muitas mudanças de formatos em relações que pareciam existir daquele jeito para sempre. Por exemplo: as inscrições de prêmios literários.
Internet à mão e pandemia no ar, até prêmios que demoraram a se adaptar às novas demandas, como o Leya de Portugal, toparam a credibilidade do on-line, com envio dos originais pela rede. O São Paulo manteve o envio dos impressos porque, diferente do Leya, é de obras impressas, não um concurso para textos a serem publicados.
Outro exemplo: reuniões. Chegar, sentar, esperar quem ficou preso no trânsito se tornou artigo das aulas de História quando nem trânsito há durante o “Fique em casa”. Vida presencial retomada, muitas reuniões mantiveram o formato digital, permitindo mais gente na sala, inclusive quem estivesse preso no trânsito.
Só mais um: aulas. Os professores foram transformados em youtubers, os estudantes em seguidores e a tela do computador teve que abrir espaço entre jogos, sites aleatórios e chats para aquela figura exigente e faladora que, durante 50 ou 100 minutos, juntava um monte de informação e ainda pedia para fazer trabalho. E que poderia ser assistida depois, em etapas, porque tudo estava gravado.
De volta à sala de aula com paredes, o receptor da aula esqueceu seu papel. Muitos estudantes seguiram conectados, conversando pelos grupos com um monte de gente, investindo em seus joguinhos, alguns até pesquisando (raros, muito raros) termos comentados pelos professores em sala.
Depois, em casa, sobretudo em véspera de prova, se lembram de que a aula não estava sendo gravada. Há até quem grave sem autorização do professor, um crime, uma inconsequência, uma clara demonstração de que falta educação tecnológica e política para essas pessoas. As dúvidas chegam depois do tempo da oralidade, as reclamações saem do aspecto pedagógico e vão para o jurídico, a compreensão da aula se esvai.
As pessoas se encontram e se esqueceram de como viver o presente. Ouvir o outro, falar com o outro, abraçar o outro. Abraçar depois da Covid ficou perigoso… E, quando se encontram, trocam contatos, pegam nos celulares para enviar isso ou aquilo e se curtem na rede quando chegam em casa.
A falha da Companhia das Letras é uma pena para boas obras que poderiam estar na lista da premiação, um lamento para autores que não precisarão se preocupar com o resultado. Talvez a editora mereça um abraço de consolo; cada autor certamente merece. Fica a lição de que o mundo físico existe, a presença é importante e o livro, maior invenção da humanidade, também cabe num bom abraço.