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Da água à água

A humanidade está acabando. Se a ciência explica até o que era abarcado pela religião, a história de “do pó ao pó” vale trocando pó por água. Tudo começou lá e vai terminar molhado. E havia um deus pairando sobre as águas, a Bíblia nem precisa se desculpar.

As gerações foram gastando água aos poucos, trocando sobrevivência por abuso.

Os acampamentos em margens de rios, criados ali pela importância da água, foram se fixando e se tornaram cidades. Juiz de Fora nasceu porque há o Paraibuna, São Paulo porque tem o Tietê, Paris porque o Sena esta lá.

As cidades cresceram, passaram a explorar mais a água e a jogar nela parte do lixo que geravam. O Sena tem sido tratado, o Tietê desesperadamente ressuscitado um pouco por dia e o Paraibuna fede um tanto quando faz calor.

A água do mundo vai acabar, a água potável, pelo menos a que não seja ultraprocessada. Se o consumo continuar desse jeito. A consciência precisa passar pelas pessoas, com banhos mais rápidos, carros mais sujos e calçadas mais pisadas. É, ainda se lavam calçadas neste país.

As indústrias também precisam reciclar sua água, cuidar do que jogam no meio ambiente e devem ser responsabilizadas por deslizes. Eis onde entra o poder público. Em todas as instâncias, do local ao global, cabe aos governos prestar atenção no que tem sido feito com a água. Com todo o ecossistema, claro, com a água especialmente.

O Lula falou disso na França, o Lula falou disso na ONU, o Lula falou disso na campanha e na posse. E não está falando sozinho e nem novidade.

Lá nos anos 1980 o Washigton Olivetto, antes de ser considerado o menino prodígio da publicidade brasileira, criou um anúncio que foi pensado megalomaníaco e que, com menos, ficou maior ainda. Rios, mares, cachoeiras secariam para mostrar que a água no mundo poderia acabar. Dessa ideia veio o resultado final: uma torneira pingando, fechada por uma mão.

Mais preocupada em vender o sistema de vedação das torneiras Deca, o anúncio não se furtava à preocupação social, uma maneira de atingir seu consumidor. A publicidade precisa falar para o público do seu tempo, como fazia o vendedor de água do lado de fora do Engenhão no dia do show The Wall: olha o Roger WATER!!!

Numa sala de aula, os alunos eram orientados a levantar o dedo e pedir ao professor para sair e beber alguns goles no bebedouro do corredor. O professor levava, quando muito, um copinho em dias quentes e secos para hidratar a falação. A Fernanda Montenegro não bebe água durante um espetáculo.

Hoje, professores levam garrafinhas e param a aula para beber. O futebol, ópio do povo, interrompe o jogo para beber água, então o professor pode também. E os alunos, claro. Cada um da turma tem sua garrafa, raras vezes uma garrafinha, e muitos precisam sair da aula para buscar refil. O professor fala o tempo inteiro e não faz isso, mas quem supostamente fica quieto faz.

O maior exemplo de que o percentual de água no corpo do ser humano mudou são as garrafas-baldes coloridas, com marcadores de quantidade na lateral. Muitas delas um arco-íris em degradê, deve ser a moda. A pessoa que carrega uma daquelas nem precisa se matricular em musculação.

Isso antes era um trambolho de marombeiro se hidratar puxando ferro e misturando whey. Agora é geral, tá ali no Calçadão com o camelô para todo mundo ver, sem o menor pudor. A humanidade bebe tanta água que vai se liquefazer. Em breve chegará a dieta low water. Aguarde.