Polytheama

O que José Luiz Ribeiro vai fazer com a imortalidade?

– Zé, cê pode dar uma entrevista pr’O Pharol?

– Claro.

Nada é tão claro assim no final de um espetáculo infantil. A conversa, rápida como os passos do diretor passando pelo público, tinha como som de fundo música infantil e gritos de crianças.

– Onde é o banheiro? – perguntou a professora da escola municipal que levava quatro crianças de mãos dadas.

No palco, os pequenos com uniforme se misturavam a outros que eram observados pelos responsáveis da plateia. Adultos lá no alto eram poucos, só os que estavam com crianças muito pequenas. E atores e atrizes correndo, abraçando, brincando como os personagens que viveram a história da Menina Ventania naquela tarde no Forum da Cultura.

– Olha! Ele veio mesmo! – sussurrou um menino para outro depois de ter seu chamado atendido pelo Cachorro Clóvis.

O teatro foi se esvaziando, de longe as crianças acenavam para os personagens, ainda em cena porque iam fazer um foto coletiva depois. Sem o diretor.

– Eu tava aqui quando ele recebeu o convite – foi o que um ex-componente do Grupo Divulgação comentou em meio a barulheira das escolas descendo as escadas.

José Luiz Ribeiro foi convidado pela Academia Brasileira de Cultura para ocupar a cadeira de número 53 da instituição, “um reconhecimento pela sua destacada contribuição cultural para o cenário nacional, com especial destaque para sua liderança no reconhecido Grupo Divulgação e sua gestão no Forum da Cultura de Juiz de Fora”. Veio a assim a mensagem.

– Não entendi o que era, na hora achei que… A gente tá aqui, fazendo nosso trabalho.

Isso foi o Zeluiz que falou. Ainda não era a entrevista, ele contava os ingressos e as cortesias do espetáculo daquela tarde na sala de trabalho do Divulgação e teve que começar de novo depois que brincamos:

– O Zeca Pagodinho vai entrar na parceria de composição das músicas e a Ana Botafogo vai dar aula de preparação corporal no Divulgação.

Foram 183 espectadores naquela tarde, quase a lotação do teatro, que é de 198. Há quem não se importe de ficar de pé ou sentado na escada da plateia quando as poltronas estão ocupadas, isso acontece desde 1972, quando o Grupo Divulgação inaugurou o teatro do Forum da Cultura com A morta, de Oswald de Andrade.

O elenco vinha aos poucos, depois de maquiagem e figurino removidos, juntar-se aos amigos que aguardavam na plateia.

– É um reconhecimento de fora, porque aqui… – foi o aplauso com lamento, que faz lembrar de outro trecho do convite: “Expressamos nossas sinceras felicitações a José Luiz Ribeiro pelo extraordinário legado cultural, bem como à cidade de Juiz de Fora por abrigar um expoente tão significativo da cultura brasileira”.

O elenco comentava o espectáculo do dia com entusiasmo e vislumbrava a perspectiva do dia seguinte: última apresentação da temporada, iniciada em agosto na Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, da qual o Divulgação participou algumas vezes desde a primeira edição. Na quarta-feira estreia outro espetáculo, O golpe, mais um texto de José Luiz Ribeiro, que repete: o teatro nasce morrendo.

No dia 15 de novembro deste 2023 ele completa 60 anos de teatro. Lá em 1963 já sabia que lidaria com a morte a cada dia. Três anos depois, na Faculdade de Filosofia e Letras, foi um dos fundadores do Centro de Estudos Teatrais – Grupo Divulgação. Desde então levou espetáculos para cidades da região e além, como na Barca da Cultura, apresentou textos clássicos e autorais, ofereceu teatro infantil, cursos para jovens e para a terceira idade, convidou escolas públicas com o projeto Escola de Espectador, educou muita gente para ver, fazer e estudar teatro.

A cada peça, todo mundo tirava a maquiagem, a contabilidade anotava o público, os abraços se despediam para começar tudo de novo no dia seguinte. Reclamando, claro.

– É como o Sísifo – se despediu Zelu sem dar a entrevista. Ele tem uma imortalidade pela frente para fazer isso.