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A dengue e a Páscoa

Difícil dizer se é falta de fé ou excesso de ganância, mas a dengue e a Páscoa bebem da mesma fonte. Na origem não: a Páscoa custou várias mortes de primogênitos no Egito para começar e a dengue gera as mortes um tanto sem esse critério de seleção. Além dessa inversão do vetor de mortes, o tratamento atual é comum.

A dengue está diretamente relacionada à mais-valia. Quanto mais gente tem, menos se fala dela. Antes, era um oh! ah! coitado! quando algum conhecido pegava dengue. Agora é meio que “em que estágio você tá? já começou a coçar?” e vale a competição para ver quem acaba primeiro. Muito soro, muito Gatorade, muita água e nada além da luta do eu sozinho contra a febre e a dor no corpo.

Fumacê ninguém viu, campanhas além das que existem para falar anualmente sobre chuvas ou Covid não existem, reportagens bombásticas em jornais não vendem mais. Dengue ficou mais comum que a Páscoa, porque mais gente tem.

Páscoa mesmo tá cada vez mais raro. De um lado, a coisa da fé, do ovo pintado (de galinha mesmo), das mortes de primogênitos, seja no Egito ou no Calvário, vão se tornando a tábua de salvação para quem não consegue comprar ovo de chocolate. Era para ser a melhor época do ano, com chocolate liberado, ultraprocessados em nome da salvação da humanidade, mas até nisso fica difícil.

Os ovos com chocolate de verdade custam o olho da cara, os outros, com essência de chocolate, nem por isso ficam tão mas baratos assim. O resto tem sabor artificial de chocolate, nem essência, e nem chocolate. Bem característico do país do futebol, que tem essência de futebol, quando muito.

Enquanto as empresas de soro de farmácia e de dipirona lucram de um lado, as que outrora vendiam chocolate lucram de outro com seus subprodutos do cacau. O que devem estar pensando os deuses, do cristianismo ou astecas, nesse feriado? Ou foram eles para a praia aproveitar os pacotes do final de semana prolongado? Que chova!