
As empresas de ônibus do sistema de transporte coletivo urbano de Juiz de Fora realizaram 3.025.901 viagens para transportar 84.271.883 passageiros ao longo de 2024. A arrecadação com a venda de passagens e o subsídio pago pela Prefeitura somou R$ 380.783.663,30 (todos os valores foram corrigidos pelo IPCA). Isso equivale a uma receita média por viagem de R$ 125,84. As informações são do Portal da Transparência.
A relação receita-viagem de 2024 é 21,6% maior que a registrada em 2019, quando o valor foi de R$ 103,46. Naquele ano, ainda no período pré-pandemia, as empresas transportaram 98.976.094 passageiros em 3.761.205 viagens, com cobradores e sem isenção de impostos, gerando receitas de R$ 389.126.968,29, predominantemente oriundas da venda de passagens.
Além de o sistema de transporte coletivo urbano operar hoje com receita média por viagem maior, a retomada da demanda não tem sido acompanhada por aumento proporcional na oferta de viagens. O número de passageiros transportados em 2024 representa 85,14% do total de 2019. Já o percentual de viagens realizadas ficou em 80,45%. Menos viagens e mais passageiros compõem uma equação que pode resultar em ônibus ainda mais cheios.
O descompasso entre o crescimento da demanda e a quantidade de viagens realizadas também contraria a lei 14.209, que instituiu a subvenção econômica ao transporte coletivo urbano. O parágrafo único do artigo 8º garante “o retorno da frota retirada de circulação durante a pandemia da Covid-19, conforme a demanda existente e deliberação do Comitê Gestor”.
A criação da subvenção econômica para o sistema de transporte
Foi em julho de 2021 que a prefeita Margarida Salomão (PT) encaminhou à Câmara Municipal a proposta de criação da política de subvenção econômica ao sistema de transporte coletivo urbano municipal. Conforme o projeto, os aportes de recursos seriam necessários para manter o funcionamento do sistema diante dos impactos da pandemia da Covid-19.
Desde então, as empresas de ônibus passaram a registrar receitas por viagem superiores à média do período pré-pandemia. Em 2021, a média foi de R$ 107,52, com 2.324.073 viagens e arrecadação de R$ 249.879.011,92. Com aportes maiores da Prefeitura, houve um salto na relação receita/viagem em 2022. A arrecadação das empresas chegou a R$ 298.130.737,83, com média de R$ 121,79 por viagem em um total de 2.447.813 viagens.
Mesmo acima do nível pré-pandemia, 2023 pode ser considerado um ano “difícil” para as empresas de transporte coletivo. Apesar de terem realizado mais viagens — 2.754.362 —, a arrecadação foi de R$ 289.296.083,71, resultando em uma média de R$ 105,03 por viagem.
Média de receita por viagem pode ser maior por conta da isenções e demissões
A média de receita por viagem das empresas de ônibus pode ser ainda maior do que os números oficiais indicam. Isso porque, além da política de subvenção econômica, a prefeita Margarida Salomão também concedeu isenção do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), cuja alíquota era de 5%.
O Pharol não conseguiu apurar o valor da renúncia fiscal. Os dados sobre o impacto orçamentário-financeiro da medida não foram encaminhados à Câmara Municipal por ocasião do envio da proposta de isenção. A planilha tarifária do sistema de transporte público, caso estivesse atualizada e disponível, poderia revelar o montante da isenção, mas a última edição do documento publicada no Portal da Transparência é de 2019. Também por esse motivo não foi possível analisar os custos das empresas.
A Lei 14.209, que instituiu a subvenção econômica, prevê, no artigo 4º, que o “Comitê Gestor definirá e executará o fluxo de informações necessárias ao acompanhamento da arrecadação, da demanda de passageiros, dos custos operacionais e dos investimentos feitos, conferindo-lhes publicidade semanal”. Essas informações, no entanto, nunca foram divulgadas.
Além da isenção do ISSQN, a extinção da função de cobrador também pode ter impactado positivamente a relação receita-viagem. Segundo a planilha tarifária de 2019, o salário de cada cobrador correspondia a 50% do salário de um motorista. Já os benefícios, como vale-alimentação, plano de saúde, cesta básica e seguro de vida, eram os mesmos para as duas categorias.
Em conversa com O Pharol, sob a condição de anonimato, um contador público avaliou que, com a isenção do ISSQN e o fim dos cobradores, as receitas das empresas de ônibus em 2024 — que chegaram a R$ 380.783.663,30 — certamente superam, em termos líquidos, os R$ 389.126.968,29 registrados em 2019. Lembrando que, no ano passado, foram realizadas 735.304 viagens a menos.
Ministério Público recomendou mudanças na legislação do subsídio
Os excessos envolvendo a política de subsídio ao transporte coletivo urbano de Juiz de Fora, que podem estar por trás das oscilações na relação receita-viagem ao longo dos anos, foram alvo de duas recomendações da promotora Danielle Vignoli Guzella Leite, da 22ª Promotoria de Justiça da Comarca de Juiz de Fora. Nenhuma das advertências foi acolhida.
A promotora chamou atenção para as “autorizações prévias” previstas na lei 14.209, que acabam atribuindo “responsabilidade exclusivamente ao Poder Público pelos investimentos e pelo custeio do serviço, cobrindo até mesmo os riscos inerentes ao mercado, como reajustes normais, regulares e previstos de insumos e remuneração de pessoal”.
Ainda segundo a promotora, as correspondências da Procuradoria-Geral do Município e os esclarecimentos prestados pela secretária da Fazenda, Fernanda Fionotti, permitiram “avaliar a situação excepcional que ensejou a subvenção econômica ao usuário do sistema e seus respectivos repasses previstos para o ano de 2021”. Para os anos seguintes, no entanto, não havia “vinculação à excepcionalidade que trouxesse desequilíbrio econômico-financeiro ao contrato”.
Para corrigir as distorções, a promotora recomendou por duas vezes alterações na lei 14.209. Em ambas as recomendações, foi pedido à prefeita Margarida Salomão que apresentasse projeto de lei suprimindo dos artigos 3º e 6º da norma a expressão “sempre que ultrapassado o valor decorrente da arrecadação da tarifa pública, nos termos em que definido por seu comitê gestor” e incluindo a exigência de que os repasses ocorram apenas em situações excepcionais e imprevistas. As alterações não foram realizadas. O inquérito civil no Ministério Público segue aberto.