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Professor é tudo vagabundo!

Tá no dicionário: com todo o machismo da língua, vagabunda é puta. Tem mais professora que professor nesse país, tem mais vagabunda que vagabundo. É, professor é quem mais se fode o tempo todo.

(Outro dia prometi que ia contar, então lá vai.)

Tem professor vacinando em Juiz de Fora. Tem profissional da educação vacinando: professor, secretário, bedel, técnico de laboratório, merendeiro e tudo mais, em gênero, número e grau que a democracia permite. E tem gente gritando: agora vai voltar a trabalhar, né!?

Tomara que volte, pra poder descansar, porque olha só como funciona. Uma rapidinha do professor em três tempos.

Anos 1980: o professor acorda, prepara a bolsa, vai pra escola, tem aula, reunião, aula, recreio, aula, reunião de pais, aula, prova pra corrigir, pra preparar, diário pra lançar, faz jantar, vê novela e dorme.

Anos 2010: o professor acorda, olha o Facebook, prepara a bolsa, responde e-mail, vai pra escola, tem aula, reunião, aula, mensagem pra responder no recreio, aula, reunião de pais, aula, prova pra corrigir, pra preparar, diário on-line pra preencher, janta o que tiver e dorme.

Em pandemia: o professor se assusta de madrugada com mensagem porque esqueceu de desligar o WhatsApp ou tem medo de desligar e acordar com um esporro do chefe porque não respondeu na hora e trabalha no setor privado, senta com o café na frente do computador, fala com um monte de fotos sem vozes ou movimentos que outros dizem ser aula, come respondendo e-mail urgente da direção porque se demorar muito tempo vai ser chamado de relapso, pega o celular com a mão molhada no banho porque ele vibrou enquanto se ensaboava, corrige trabalho enquanto responde mensagem do pai do aluno que não fez o trabalho porque a internet estava ruim e tem que entender isso porque nem todo mundo tem internet, come um pacote de ultraprocessado comprado na promoção porque os preços estão o olho da cara e saúde não é mesmo o foco pra quem vai dormir de qualquer jeito e lembra de madrugada que tem que preparar a prova e enviar pro sistema da escola até meia-noite porque precisa ser revisada e depois sabe que vai ter que fazer praticamente a prova inteira com o aluno que não tá entendendo nada porque não tem o grande gatilho que motiva o moleque a gostar de aprender: um abraço.

Um professor deu a lição: aluno que não liga a câmera é como a pessoa que não olha pra você quando conversa.

É, vagabundo, tá precisando fazer uma greve. Quando!? Como!?

Um professor deu a lição: aluno que não liga a câmera é como a pessoa que não olha pra você quando conversa. Falta de educação. Ah, mas a câmera não tá funcionando… Quem tem mesmo esse problema pede desculpa e explica, quase todos os outros são mal educados.

Virar as costas pro professor é um ato de suprema idiotice, no sentido etimológico do termo, não no sentido que o idiota da presidência usou pra se referir aos que ele considera idiotas. Aproveitando a deixa, basta consultar no documento “Retratos da leitura no Brasil” pra entender que estamos falando de um analfabeto funcional.

Na falta de consciência do todo, vários setores viram as costas pro professor. E nisso temos dos que gostam do palanque público pela oposição gratuita até jornalistas (ou assim auto-afirmados), leitores de segmentos de informações e, pasmem, o desinformado Ministério Público.

E o professor segue lá, na labuta, vagabundeando por amor à causa, porque o salário é ruim, a condição de trabalho remoto improvisado é uma merda, a terapia é cara e o dinheiro pro remédio de cabeça não existe. E quando o professor é chamado de vagabundo dá vontade de dizer: quem dera!

Beleza, todo mundo vacinado, bora voltar pra escola!

Tem condição? Se as normas estiverem atendidas (protocolos, ciência, coisa de gente que estuda, não de gente que acha), melhor voltar mesmo. Todo mundo de máscara, com distanciamento, disciplina, cuidado e sem abraçar coleguinha, compartilhar merenda e trocar baba, como fazem as crianças na creche. Como fazem os estudantes do ensino superior.

A vantagem do professor vacinado é enorme, porque o risco dele diminui. Ele vai pra aula, vai ter que abraçar a criança de 3, 13 ou 23 anos, vai ter que compartilhar a sala de aula com 10, 30 ou 50, vai ter que encontrar o motorista, o trocador, o cantineiro, o técnico de laboratório, o secretário e, se encontrar o vírus, vai ter mais força pra enfrentar.

A criança (de 3, 13 ou 23 anos) e os parentes da criança, não. Vai ter gente morrendo, mais ainda, gente que só tá viva porque o vagabundo tá em casa gastando vista, cabeça, coluna, corpo e mente na frente do computador ou do celular pra tentar minimizar o dano pra educação. Vai ter prejuízo, claro que vai. Uma geração talvez, mas vai sobreviver pra contar a história, se os putos não insistirem no genocídio.