Conjuntura

Por que o MDB de Juiz de Fora quase não disputou as eleições e precisa devolver R$ 374 mil

O autor do feito mais impressionante da história das eleições em Juiz de Fora foi o MDB, varrida do cenário local. (Arte: Camila Matheus, sobre fotos de Leonardo Costa)

O ano de 2018 mexeu com a política brasileira de uma maneira muito forte. A avaliação é do cientista político Jairo Nicolau, autor do livro “O Brasil dobrou à direita”, para quem a chegada de Jair Bolsonaro ao poder representou a quebra de uma série de premissas da tradição política do país, configurando-se em “o feito mais impressionante da história das eleições brasileiras”.

Em que medida o “fenômeno” 2018 atingiu Juiz de Fora e o quanto foi determinante para a reconfiguração da política local consolidada nas eleições de 2020 são tema de uma série de reportagens de O Pharol. Com enfoque na configuração partidária, na chegada e saída de atores da cena política, o jornal quer lançar luzes sobre o atual cenário político-eleitoral do município.

Para continuar com a expressão de Jairo Nicolau, o autor do feito mais impressionante da história das eleições em Juiz de Fora foi o MDB. Após um longo período de 20 anos no Executivo, sendo 14 anos com Tarcísio Delgado e seis anos com Bruno Siqueira, o partido, frequentemente com maioria na Câmara de Vereadores, simplesmente foi varrido da cena política local em 2020.

Na última boa performance emedebista, em 2016, opartido foi o grande vencedor das eleições. Além de reeleger o então prefeito, Bruno Siqueira, conseguiu fazer quatro vereadores, a maior bancada da Câmara Municipal naquela legislatura.

Tarcísio Delgado esteve à frente da Prefeitura de Juiz de Fora por três mandatos com o MDB, hoje filiado ao PSB (Foto: Leonardo Costa)

Nas emblemáticas eleições de 2018, vieram as primeiras baixas. Depois de ensaiar uma candidatura ao Senado com o então prefeito Bruno, o MDB, que lançou uma presunçosa campanha com o slogan “Grande demais para pensar pequeno”, acabou deixando o comando do Executivo e ficando sem representantes locais na Assembleia de Minas.

Na ocasião, Bruno renunciou ao mandato para se tornar candidato a deputado estadual. Na mesma raia, competia o deputado emedebista Isauro Calais, que buscava a reeleição. Com bases eleitorais semelhantes geograficamente, nenhum dos dois conseguiu se eleger.

Corta para 2020. Em março, oito meses antes do novo pleito municipal, o MDB estava com o registro partidário suspenso, o que o impediria de lançar candidatos, e com duas decisões judiciais que determinavam que o partido devolvesse R$ 319 mil aos cofres públicos. Uma terceira decisão, tomada em abril de 2021, elevou o valor total para R$ 374 mil.

A multa é relativa às contas partidárias de 2015 e 2016, anos que antecederam a candidatura à reeleição de Siqueira: secretários municipais, coordenadores de departamento, superintendentes, chefes e diretores da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) fizeram contribuições financeiras partidárias ao MDB, o que é proibido pela legislação eleitoral.

A Justiça Eleitoral reprovou as contas e determinou a devolução de R$ 181 mil relativos a 2015 e R$ 138 mil a 2016, conforme as últimas cobranças expedidas nos autos dos processos, em fevereiro de 2020 e junho de 2019, respectivamente.

Vale destacar que os valores estão corrigidos pela inflação e, portanto, não refletem exatamente o volume de doações dos funcionários da PJF ao MDB. Apesar disso, os números são próximos: as doações efetivas realizadas pelos cargos de confiança foram de R$ 133 mil em 2015. A reportagem não conseguiu estabelecer o valor original das doações em 2016.

Já a suspensão do registro partidário ocorreu por causa das contas partidárias de 2018. Ou melhor, devido à inexistência delas, já que a sigla não apresentou a prestação de contas no prazo determinado pela Justiça. “Oficie-se ao egrégio Tribunal Regional Eleitoral de MG a fim de suspender a anotação [registro] do Partido acima, até que seja regularizada a situação”, determinou em 5 de junho de 2019 o juiz José Clemente Piedade de Almeida, da 153ª Zona Eleitoral.

A suspensão durou até 27 de março de 2020, quando foi revertida pelo juiz Sergio Murilo Pacelli. O MDB eventualmente apresentou as contas de 2018 para análise da Justiça Eleitoral, que mais uma vez as rejeitou.

Neste caso, entre outros problemas, o partido recebeu R$ 47 mil de fontes não identificadas e outros R$ 8 mil de fontes vedadas. Em abril de 2021, a Justiça Eleitoral determinou que o MDB devolvesse a soma de R$ 55 mil aos cofres públicos.

Depois de ensaiar uma candidatura ao Senado com o então prefeito Bruno, o MDB, que lançou uma presunçosa campanha com o slogan “Grande demais para pensar pequeno”

O ex-prefeito Bruno Siqueira afirma que não fez parte da Executiva municipal do MDB nos anos em que as contas foram rejeitadas, ou seja, que ele não era o responsável pela legenda quando as irregularidades aconteceram. “Foi um erro jurídico cometido pelos dirigentes do partido em relação à contribuição partidária. Ocorreu uma mudança na legislação, me parece que em 2014, e os dirigentes do partido não verificaram que ocorreu essa mudança e por isso o partido foi multado. Isso eu fiquei sabendo depois que aconteceu”, justificou.

O presidente do diretório municipal do MDB em Juiz de Fora, Paulo Gutierrez, disse que a estratégia é esperar um posicionamento do partido em nível estadual e nacional para tentar resolver a questão.

“Recebemos uma verba partidária, mas é muito pouco [para quitar o débito]. Vamos esperar mesmo a Executiva federal ou estadual”, disse.

Após problemas, MDB não elegeu nenhum vereador e perdeu relevância em 2020

A vitória de Bruno Siqueira em 2016 marcou um ponto de virada para o MDB. Desde então, o partido sofreu derrotas sucessivas nas duas eleições seguintes. Em 2018, Siqueira renunciou ao cargo de prefeito declarando que seria candidato ao Senado. Ele não conseguiu articular sua candidatura internamente e, no final das contas, tentou uma vaga como deputado estadual na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG): obteve 26.515 votos e não foi eleito.

Não bastasse a derrota de seu principal quadro político em 2018, que mirou o Senado e ficou sem nada, o MDB viu os quatros vereadores que elegeu em 2016 deixarem o partido antes das eleições de 2020.

Marlon Siqueira, primo de Bruno, foi para o PP, onde foi reeleito, assim como Dr. Antônio Aguiar, que foi para o DEM. Kennedy Ribeiro se transferiu para o PV e hoje é o vice-prefeito da cidade. Já Ana do Padre Frederico decidiu não se candidatar novamente. O filho dela, Julinho Rossignoli, foi eleito para a Câmara Municipal pelo Patriota.

“Fazer uma renovação partidária, com aqueles que gostam da sigla, para que possamos seguir”, planeja o presidente Paulo Gutierrez

Paulo Gutierrez atribui a debandada a decisão pessoal de cada um. “É a primeira vez na história que perdemos os quatro vereadores, que assumiram o compromisso de dirigir outro partido. Viram o que era melhor para eles”, disse o presidente do MDB em Juiz de Fora.

Bruno Siqueira foi eleito vereador, deputado e prefeito pelo MDB (Foto: Leonardo Costa)

Para as eleições de 2022, ele afirma que o plano é renovar os quadros do partido e evitar brigas internas. “Planejamos uma organização com resgate do passado, para poder prever o futuro. Fazer uma renovação partidária, com aqueles que gostam da sigla, para que possamos seguir”, disse.

Já Bruno Siqueira avalia que a perda de relevância do MDB não se restringiu apenas a Juiz de Fora, mas foi um fenômeno que ocorreu em todo o Brasil devido ao desgaste da legenda por ter tido lideranças nacionais envolvidas em casos de corrupção.

“Enquanto eu participei, nós fizemos três vereadores em 2008, três em 2012 e quatro em 2016. Em 2020 eu não participei da formação da chapa”, disse. “Várias pessoas acabaram sendo presas, como Geddel Vieira Lima, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral. E não teve nenhum posicionamento formal do partido [contra isso].”

Paulo Gutierrez prepara a transição do MDB (Foto: Carlos Mendonça/PJF)

Segundo Paulo Gutierrez, o ex-prefeito está afastado do dia a dia do MDB. “[Após as eleições de 2018] O Bruno ficou isolado um pouco, fazendo outras coisas, cuidando da vida pessoal”, afirmou.

Bruno Siqueira está lotado como secretário parlamentar no gabinete do deputado federal por Minas Gerais e presidente nacional do Avante, Luis Tibé, desde dezembro de 2020. O salário bruto é de R$ 12 mil. “O deputado me fez um convite para auxiliar no mandato dele”, disse o ex-prefeito de Juiz de Fora. Segundo Bruno, ele não está trabalhando em nenhum projeto eleitoral para 2022.