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A ausência é pior que a saudade

O Tupi se despediu dos títulos em 2018, quando se sagrou campeão do interior de Minas (Foto: Leonardo Costa)

Na Galiléia e em boa parte da Cisjordânia impera, há muito tempo, a “Lei da Ausência”, uma aberração jurídica impetrada pelo Governo de Israel, segundo a qual se um cidadão árabe/palestino se ausentar por três dias de suas propriedades, por qualquer motivo, os terrenos e casas passam a ser do Estado, que imediatamente as aluga ou empresta aos cidadãos judeus. Essa história está magnificamente contada no filme “Casa” do cineasta, israelense, Amos Gitai e o que adveio disso aí – as consequências e mágoas desses despejos – explica a pré-terceira intifada. Adormecida por ora, mas ainda latente após justamente novos desalojamentos de palestinos em Jerusalém.

Em “Casa”, no entanto, não há nenhum relato de saudade, como se os desalojados realmente não se sentissem parte daquela terra. Diferente de “Sonhos do Passado”, filme de John G. Avildsen, onde Jack Lemmon assusta a esposa ao contar a ela, por telefone, sobre tudo que lhe traz saudades. Grande cena sobre esse sentimento, diferente de ausência ou melancolia, substituída no imaginário dos cinéfilos por outra relativamente idêntica de Woody Allen em ”Manhattan” e até em “Garota do Adeus” – embora Marsha Mason não dê muita chance para ausências no filme de Neil Simon e Herbert Ross.

Por aqui, fora das telas, também se sente uma enorme ausência e uma grandessíssima saudade. De ver filmes no cinema, de beber nos botecos e de jogos de futebol nos estádios, especialmente os do Tupi. Nesse último caso, saudade quase solitária: 99% dos moradores de Juiz de Fora não têm mesmo nenhum interesse pelo time da cidade – e esses sãos os felizes, pois não sentem na pele falta ou saudade.

O Tupi volta a campo no próximo final de semana, mas pela segunda divisão do campeonato mineiro e como é comum acontecer, com raras exceções, em clima de terra arrasada, como se estivesse prestes a acabar, obrigando os 1.627 torcedores carijós a se apegarem com força e fé na mitologia de Fênix.  Porém, como ensinou Jack Lemmon no filme citado, a saudade tem que ser de coisas maiores, do tempo em que o Tupi disputava as séries C e D do campeonato brasileiro – e uma vez na Série B (participação só percebida pelos 99% porque o Vasco da Gama estava no torneio e veio jogar em Juiz de Fora – naquele empate em 2 a 2)

Os personagens de “Casa” certamente mentiam ao negar a saudade; Woody Allen também (ao se lembrar de Joe DiMaggio como atleta e não como, inveja, ex-marido de Marilyn Monroe) e Jack Lemmon mentia, por algum motivo, ao não se lembrar da escalação do time de beisebol da sua infância. Mentir é a forma mais correta de escamotear a ausência e a saudade.

Também – confesso aqui, pela primeira vez – mentia, após os jogos do Tupi pelas séries B, C e D do campeonato brasileiro. Ao voltar do Estádio e, como um Fidípides moderno, ao anunciar aos poucos que me perguntavam o resultado do jogo, dizia sempre, em qualquer circunstância: Tupi 3 a 0 – não importando se a vitória foi pelo placar mínimo ou a derrota por 7 a 1.

Uma mentira inofensiva, sem nenhuma consequência, pois nenhum dos supostos interessados (torcedores de Vasco, Fluminense, Botafogo e Flamengo) estava realmente interessado, e não consta que algum dia tenha checado a informação.  E se checou deu de ombros: não era uma coisa presente, algo que lhes pertencia e muito menos que no futuro causaria saudades – são realmente os felizes.    

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Juiz de Fora não.

Áureo Fortuna, morto na última sexta-feira (25 de junho), foi o maior presidente da história do Tupi (sem demérito para nenhum outro) – assim como Ademilson é o maior dos jogadores (sem diminuir Toledo, João Pires e outros craques). Ele tinha muitos críticos, suas gestões foram contestadas mas inegavelmente vitoriosas, e era um homem bom.  Devo a ele o emprego de assessor de imprensa do Tupi (anos bem felizes) e o presidente nunca interferiu, uma linha sequer, no trabalho da assessoria.

Certa vez ficou, como todo mundo no clube, bastante chateado com a manchete do site “Agonia sem fim” (sobre a série de derrotas na série C do Brasileiro de 2012), mas não demitiu o jornalista – como muita gente queria que acontecesse.  Dias depois, quando o time finalmente venceu, a manchete do site foi “Não cairemos!”. Áureo disse ao assessor de imprensa: “Nunca concordei com o ‘Agonia sem fim’ e nunca entendi aquilo, e acho que vamos cair, mas se não tivesse tido a primeira manchete não teríamos credibilidade para colocar a segunda”.

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