Conjuntura

Com que roupa o PT ensaia os primeiros passos no poder em Juiz de Fora?

O deputado estadual Betão, a prefeita Margarida Salomão e o presidente da Câmara Juraci Scheffer (Intervenção de Camila Matheus sobre fotos de ALMG/Câmara Federal/Câmara Municipal)

Embora tenha chegado ao poder em Juiz de Fora apenas em 2020, com Margarida Salomão, o PT foi, ao lado do MDB, o partido mais assíduo nas disputas majoritárias municipais desde sua fundação, em 1980. De lá para cá, o eleitor petista deixou de escrever ou digitar o número 13 nas urnas apenas em 2004, quando a legenda compôs chapa indicando Martvs das Chagas como vice de João Vítor Garcia (PPS, atual Cidadania).

Nesse período, os ex-deputados Paulo Delgado e Agostinho Valente, ambos por duas vezes, e Margarida, por quatro vezes, foram aqueles que mais disputaram o Executivo. Completa a lista, com uma disputa, o companheiro Jorge Lima. Na Câmara Municipal, os petistas têm cadeira cativa desde 1988, quando elegeram Natanael do Amaral, chegando agora à Presidência da Casa com Juraci Scheffer.

Se já não fosse pouco toda a carga simbólica de ser a primeira mulher eleita prefeita de cidade, com o acréscimo de a campanha ter emplacado, também de forma inédita, duas vereadoras (Laiz Perrut e Cida Oliveira), há a dose adicional de simbolismo com o paralelo com o presidente Lula, eleito após três tentativas. Sobram argumentos para os petistas apostarem numa longa estada no antigo prédio da Rede Ferroviária Federal.

Mas é cedo. Até para os mineiros, que aprendem no berço a ver a política, assim como as nuvens, sempre à mercê dos ventos, as monções dos tempos atuais andam assustando e constrangendo previsões. Mesmo porque, tanto na Prefeitura quanto na Câmara, as margens para ganhar tempo e negociar praticamente foram exauridas nas últimas administrações. E as notícias da área econômica não são as melhores.

A questão por ora, já perto do sexto mês de governo, é saber com que roupa o PT ensaia seus primeiros passos à frente do Executivo e do Legislativo. Há pelo menos três figurinos. O “contra tudo isso que está aí” das primeiras eleições; o “Lulinha paz e amor” da Carta ao Povo Brasileiro; e o “gerentona” e tecnocrata usado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

“Lulinha paz e amor”

À primeira vista, o slogan “Tudo é para todos” é quase uma reedição juiz-forana da Carta ao Povo Brasileiro. E, justiça seja feita, Margarida tem se desdobrado para caber no figurino. Ainda antes da posse, visitou, em Belo Horizonte, a deputada Delegada Sheila (PSL) e, em Brasília, o deputado Charlles Evangelista (PSL). Escalou o vereador Marlon Siqueira (Progressistas), primo do ex-prefeito Bruno Siqueira (MDB), como líder do governo.

Já empossada, convidou o ex-prefeito Antônio Almas (PSDB) para inaugurações, manteve a tradição de deixar os itamaristas na Cesama, sondou o PSOL — sem sucesso — para a Secretaria de Educação e colocou um filiado do partido Novo — que se licenciou depois — em seu primeiro escalão. A prova dos nove veio no início da semana passada, quando recebeu em seu gabinete o vereador Bejani Júnior (Pode) e seu pai, o ex-prefeito Alberto Bejani.

Em conversa com O Pharol, Margarida apontou “a recuperação do atual estágio de degradação da política” como um dos principais legados ao término do governo. “Vou trabalhar incansavelmente para a reabilitação do espaço público. É preciso recuperar a civilidade no fazer político.” No mesmo fôlego e com o mesmo espírito, a prefeita diagnosticou “um certo cansaço com a retórica usual da classe política” e se colocou aberta a alianças. “Sou aliancista com clareza de propostas”.

O modelo “Lulinha paz e amor” também tem caído bem em Juraci Scheffer. Depois de emplacar sua candidatura única e contemplar a contento seus pares com indicações para os cobiçados cargos comissionados da Casa, ele conseguiu afagar o PSDB, levando Eduardo Schröder para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (Sedecon). Em outra cartada, nomeou como assessor técnico legislativo Barbosa Júnior, esposo da terceira colocada na disputa pela Prefeitura, delegada Ione Barbosa (Republicanos).

“De uma forma geral, as coisas estão caminhando bem, tanto na Prefeitura quanto na Câmara. Quem ganha com isso é Juiz de Fora. Tensões vão existir, mas a disposição para o diálogo das duas partes vai prevalecer”, garantiu o presidente da Câmara.

“Scheffer paz e amor” faz sucesso também entre os servidores da Câmara Municipal. Depois da gestão de Luiz Otávio Coelho (Pardal, PSL), marcada pela tensão permanente entre dois grupos de vereadores, o petista tem aproveitado o clima ameno para envolver todos da Casa em seu Plano Estratégico. Por vezes, vale até um fogo amigo contra o Executivo, afinal “os poderes são independentes”.

“Contra tudo isso que está aí”

O fogo amigo seja talvez o melhor eufemismo para o mais pomposo adereço do figurino “contra tudo isso que está aí”. Tão habituado que é à oposição em Juiz de Fora, o PT começa sua experiência local de poder cheio de resquícios dos modus operandi do passado recente. O desafio será ver se esse “passado é uma roupa que não ‘os’ serve mais”.

Desde a gestão Tarcísio Delgado (1983-1988), o partido vinha se colocando de forma crítica às gestões municipais, estando invariavelmente à frente dos sindicatos dos servidores. Mesmo quando algum petista fazia parte do governo, caso de Celso Matias, com Tarcísio Delgado (1997-2004) e Flávio Cheker, com Bruno Siqueira (2013-16), não havia trégua.

Não é de se espantar que esse início de governo tenha sido difícil para parte considerável da companheirada. Além do afago no casal de deputados do PSL, da preservação do itamarismo e da interlocução com os Bejanis, foi necessário superar o episódio da nomeação e exoneração do ex-vereador João do Joaninho (Patriota) para cargo de confiança.

Exceção feita a Juraci Scheffer, que antes de ingressar nas fileiras petistas já havia sido governo com Tarcísio Delgado (1997-2004), no Parlamento as vereadores Laiz Perrut (PT) e Cida Oliveira (PT) construíram suas trajetórias na vida pública combatendo o bom combate na oposição. Mesmo caso do deputado Roberto Cupolillo (Betão, PT).

No Executivo, além da própria Margarida com passagem pela gestão Tarcísio Delgado (1983-1988), foram governistas os secretários Rogério Freitas (Governo Tarcísio Delgado) Martvs das Chagas (Governo Lula), Gabriel dos Santos Rocha (Biel), Tadeu David e Fabiola Paulino da Silva (os três no Governo Pimentel).

Embora a turma com vivência na desconfortável posição de ser vidraça estabeleça uma espécie de contrapeso, ainda é cedo para apostar numa mudança de roupagem para aqueles que estiveram sempre do outro lado. Nesses quase seis meses de legislatura, o PT se posicionou favorável à derrubada de vetos do Executivo. Em mais de uma ocasião, o presidente da Casa elevou o tom para cobrar respostas dos secretários.

Sem indicar nomes para o primeiro escalão nem para o segundo, o deputado Betão, da corrente O Trabalho, fala na adoção de uma postura independente. “Não estamos oficialmente dentro do governo, mas estamos atentos às questões que estão sendo desenvolvidas, apoiando aquilo que ela tem feito de positivo para a cidade e ajudando a questionar ações que não estejam indo bem, mas dentro do partido, como deve ser.”

As vereadoras Cida Oliveira e Laiz Perrut (Intervenção de Camila Matheus sobre fotos de Leonardo Costa/Câmara Municipal)

Os professores, que, além de Betão, contam com a vereadora Cida Oliveira como representante da categoria, têm na ordem do dia a revogação do polêmico artigo 9º. A reforma da norma, segundo o deputado, foi um compromisso de campanha da prefeita. “Nós estamos conversando com a Prefeitura para que se empenhe o mais rápido possível pelo fim do artigo 9º e, depois, a gente vai fazer a discussão para readequar o plano de carreira.”

Para Laiz Perrut, que além de correligionária da chefe do Executivo, também pertence à mesma tendência que ela, a Democracia Socialista (DS), ser governista é uma grande novidade. “Acaba sendo mais um desafio e posso afirmar que não é fácil. Os poderes são independentes e tem sido assim. Na Câmara, já derrubamos vetos do Executivo.” Por outro lado, a vereadora considerou o início como promissor para o partido. “Estamos com um diálogo bom com a prefeita, as secretárias e os secretários. É uma responsabilidade muito grande por ser a primeira vez no PT na Prefeitura. Temos que nos esforçar para dar certo, lá (no Executivo) e cá (no Legislativo).”

O presidente do diretório municipal do PT, Juanito Alexandre Vieira, mesmo assegurando não haver tensionamento interno na legenda em relação à administração municipal, passa longe do figurino “Lulinha paz e amor”. A experiência inaugural do partido, segundo ele, é reflexo do desejo de “mudança da população após oito anos de retrocessos”.

Em outra frente, o dirigente anunciou que os petistas locais estão desenvolvendo um trabalho, neste ano e no próximo, em oposição ao governo federal. “O PT hoje está empenhado na construção de uma resistência de tudo que está sendo feito por (Jair) Bolsonaro”.

‘Gerentona’ e tecnocrata

No que depender da prefeita Margarida Salomão, até por conta de suas duas passagens pela reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e agora pela formação da atual equipe de governo, o figurino do PT no poder local será o da “gerontona”. A expressão usada pelo ex-presidente Lula em 2009 para se referir a então candidata à sua sucessão, Dilma Roussef, alcança a contento a companheira de Juiz de Fora.

Aliás, Margarida e Dilma guardam outra semelhança na trajetória política: as duas se filiaram ao PT no início dos anos 2000 — a prefeita em 2002 e a ex-presidente em 2001. A “gerentona” juiz-forana, no entanto, chegava com uma passagem pelas urnas: em 1988 disputou a eleição como vice na chapa encabeçada por Murilio Hingel (ex-ministro da Educação). Dilma disputou sua primeira eleição em 2010.

De 2008 até 2020, Margarida esteve nas urnas por sete vezes, ora como candidata a prefeita, ora disputando para deputada federal. Assessores mais próximos a definem como “aquela que não para”. Que não para e, com a devida vênia, que manda. Quanto a isso, aliás, parece não pairar dúvida, nem na Câmara e muito menos na Prefeitura.

Em sua mudança inaugural, mudou a estrutura organizacional do Executivo, criando o maior secretariado da história do município, com 28 membros, considerando administração direta e indireta. Há de se ressaltar que, conforme determina a Lei Complementar 173/2020, não houve aumento de gastos. As novas secretarias vieram com a extinção de outros cargos comissionados.

A montagem do secretariado, conforme a prefeita, atendeu a critérios técnicos, respeitando as construções feitas politicamente ao longo do tempo pelo seu grupo que, em sua maioria, é oriundo da UFJF. A secretária da Fazenda, Fernanda Finotti, escapou ao aspecto político, da mesma forma como os servidores e servidoras de carreira que assumiram comando de algumas pastas.

Da seara política, único convite feito, no caso, ao PSOL, acabou sendo recusado. Mas a ausência mais emblemática na formação do governo foi a do PV, partido pelo qual Kennedy Ribeiro se elegeu vice-prefeito. O companheiro de chapa, aliás, parece não integrar a gestão, mesmo após ter deixado o partido. Da mesma forma, os verdes hoje não têm espaço em nenhum dos escalões.

Com um secretariado para chamar de seu, Margarida foi para a luta. No enfrentamento da pandemia de Covid-19, optou por criar seu próprio programa para retomada das atividades econômicas e estruturou o modelo de vacinação do município. Quando esse último apresentou problemas, trouxe para perto a Secretaria de Saúde, que se alojou no segundo andar do prédio da Prefeitura.

Em outras duas boas empreitadas, tentou fazer valer seu estilo. No caso do Museu Mariano Procópio, propôs um novo modelo, dividindo as responsabilidades da gestão  com o Conselho de Amigos do Museu Mariano Procópio. A contenda tem se mostrado dura e com resultados incertos. No caso do transporte urbano coletivo, conseguiu emplacar a criação do Fundo Municipal de Transporte Urbano (FMTU), com acesso à arrecadação das empresas com bilhetagem.

Bem na política, e nem tanto nas finanças

Com o controle do Executivo e do Legislativo, a maior bancada na Câmara Municipal, um deputado estadual e o ex-presidente Lula com os dois pés bem colocados no processo sucessório de 2022, o PT de Juiz de Fora tem bem pouco do que reclamar. Para Margarida Salomão, embora seja cedo, o partido podia pensar em um nome para disputar o governo de Minas.

Outro desejo dos petistas locais é retomar a cadeira na Câmara dos Deputados que pertencera a Paulo Delgado e, mais recentemente, à própria prefeita. Pretendente declarado, Juraci Scheffer vem se valendo do fato de estar à frente do Legislativo para se firmar como opção. Com a recente chegada de mais mulheres aos mandatos, há quem veja a secretária de Saúde, Ana Pimentel, como postulante.

Juanito: finanças como questão interna (Foto: Leonardo Costa)

Com o processo eleitoral já no horizonte, mas com o tempo jogando a favor, o diretório municipal do PT pode se dedicar às finanças. Isso porque, no início deste ano, a Justiça iniciou o processo de execução da dívida referente à campanha de 2012.  O passivo de R$ 2 milhões, que chegou a ter acordo homologado com os credores, hoje esbarra em R$ 8 milhões.

O presidente do partido, Juanito Alexandre Vieira, disse que são questões internas do partido e que “tratam isso internamente”. “O PT não contraiu nenhuma dívida atualmente e tem honrado com suas responsabilidades”. Por ora, relatou apenas que “na atual gestão não encontrou nenhuma dívida”. Sobre o passivo, foi sucinto: “As questões anteriores estamos resolvendo.”