Contexto

Arquitetura hostil em Juiz de Fora: a restrição do direito à cidade

Em uma era de ‘medo da cidade’, do pavor à diferença e da segregação dos desiguais, a hostilidade habita os espaços da cidade, funde-se às casas, edifícios, ruas e às ideias de quem a constrói. (Arte: Camila Matheus)

Em 24 de julho de 2018, o Parque Halfeld recebia um novo mobiliário, com a instalação de 62 bancos de aço carbono com divisórias e apoios para braços, ao longo de todo o espaço. Entre os que transitavam pelo local, as opiniões eram divergentes. Uns comemoravam a troca dos bancos degradados, enquanto outros lamentavam os gestos de afeto perdidos e substituídos por uma estrutura fria e programada para uma ocupação o mais breve possível, visto suas características ergonômicas. O modelo foi desenvolvido por arquitetos da Prefeitura de Juiz de Fora e aprovado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac). O que muitos não sabiam, no entanto, é que ali estava presente um dos principais elementos da “arquitetura hostil” no espaço público local.

O termo foi cunhado em 2014 pelo repórter do jornal britânico The Guardian Ben Quinn, mas ganhou notoriedade no Brasil em fevereiro deste ano, após a comovente cena protagonizada por padre Júlio Lancellotti, que quebrou a marretadas as pedras pontiagudas instaladas pela prefeitura de São Paulo debaixo do viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, a fim de evitar a presença de pessoas em situação de rua no local.

A ação do religioso motivou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) a criar um projeto de lei que altera o Estatuto da Cidade para vedar o emprego de técnicas de “arquitetura hostil” em espaços de uso público em todos os municípios brasileiros. O parlamentar esclarece que não defende a fixação de moradores de rua nesses espaços, mas vê o impedimento à sua circulação por meio da arquitetura hostil não como uma solução para o problema social, mas como um agravamento. “A raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve tais problemas. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana.”

Na justificativa do projeto, Contarato destaca que muitas cidades têm incentivado a chamada “arquitetura defensiva”, em razão da especulação imobiliária de determinadas regiões. “A ideia que está por trás dessa lógica neoliberal é a de que a remoção do público indesejado em determinada localidade resulta na valorização de seu entorno e, consequentemente, no aumento do valor de mercado dos empreendimentos que ali se localizam, gerando mais lucro a seus investidores.”

Padre Júlio Lancellotti quebra pedras sob viaduto em São Paulo (Foto: Reprodução Twitter)

O relator do projeto, senador Paulo Paim (PT-RS) acrescentou que essas iniciativas buscam impedir que as pessoas se fixem em determinados pontos do espaço público, e funcionam como um instrumento de controle social. “Assim, por exemplo, em lugar de se instalarem bancos confortáveis nas praças, nos quais se possa repousar e apreciar a paisagem com prazer e tranquilidade, retira-se qualquer forma de assento ou se adotam bancos desconfortáveis, sem encosto ou ondulados, de modo a constranger os usuários a permanecer apenas por curtos períodos de tempo. No mesmo sentido, instalam-se, sobre quaisquer superfícies que possam servir para descanso, acabamentos ásperos, pinos metálicos ou pedras, a fim de evitar que sejam usadas como assento pelos pedestres. Para evitar que pessoas em situação de rua durmam sob marquises de prédios, instalam-se dispositivos de dispersão de água, que não regam plantas, mas servem exclusivamente para constranger essa população sofrida. Embora dirigidas às pessoas em situação de rua que, não tendo outra alternativa, recorrem a espaços públicos, seja ele de propriedade pública ou privada, em busca de abrigo ou repouso, essas técnicas acabam por tornar o espaço público hostil e desconfortável para todos os habitantes da cidade.”

O projeto de lei (PL 488/2021) foi aprovado pelos senadores no dia 31 de março e seguiu para a Câmara dos Deputados, onde permanece em tramitação.

Segregação e desabrigo

Por aqui, elevações, grades e desníveis embaixo de viadutos também são implantados com a finalidade de repelir e desabrigar. Em inauguração de um viaduto em Juiz de Fora, no ano passado, uma pessoa presente na cerimônia dava uma insólita sugestão: jogar creolina para evitar que pessoas dormissem no local devido ao cheiro forte. A ideia felizmente não foi executada. Mas ao percorrer a cidade com um olhar atento, não é difícil encontrar estes elementos hostis em edificações públicas e privadas, e sua implantação, na maioria das vezes, coincide com a ocupação de pessoas em situação de rua. São estratégias utilizadas com o objetivo de afastar os corpos que não são bem-vindos nestes espaços, sob a alegação de ampliar a segurança do local. Dispositivos que atuam na segregação e encolhimento do espaço público. Até mesmo igrejas e outros templos religiosos, construídos sob os princípios do acolhimento e proteção, hoje são cercados por altas grades, muros, cercas eletrificadas e objetos cortantes. O que é possível observar nas imagens abaixo, feitas em Juiz de Fora nas últimas semanas.

A Lei Complementar nº 82/2018, que trata da Política de Desenvolvimento Urbano e Territorial, do Sistema Municipal de Planejamento do Território e da revisão do Plano Diretor em Juiz de Fora, cuja confecção se arrastou por cinco anos, traz alguns pontos que vão contra a implantação de elementos hostis. Entre eles, pode-se citar os artigos 3 e 4, que trazem “a apropriação e fruição de uma paisagem e ambiência urbana que possibilite qualidade de vida que sirva de suporte à identidade social e cultural” e o “aproveitamento e utilização do solo compatíveis com o conforto, sanidade e segurança de seus usuários e das propriedades vizinhas”.

Já o parágrafo XII do Art. 8, que trata da Política de Desenvolvimento Urbano e Territorial, normatiza a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a proximidade ou conflitos entre usos incompatíveis ou inconvenientes, a deterioração das áreas urbanizadas e os conflitos quanto ao uso e a função das vias que lhes dão acesso e o uso inadequado dos espaços públicos. “Nesse ponto, percebemos o controle, afinal o que seria o uso inadequado? E inadequado para quem?”, questiona o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e engenheiro arquiteto Fábio Lima. “Em termos genéricos, (a legislação) aborda a questão dos espaços públicos que, em termos de ação efetiva, vai depender muito do interesse dos gestores e da iniciativa privada.”

Luciana Cirino: “na rua estou segura” (Foto: Ricardo Miranda)

Em situação de rua, Luciana Aparecida da Rocha Cirino, 47 anos, perdeu a marquise onde se abrigava nas noites de chuva e frio para as grades há poucos meses, e precisou se realocar em outro espaço, indo para o meio da calçada. “Aqui, na rua, estou segura. Se voltar para casa, vou ter depressão. É muito problema. Não quero mais isso para minha vida”. Ao lado de um posto de combustíveis com movimentação 24 horas, ela se desloca para outros prédios com alguma cobertura livre quando as condições climáticas se agravam. “Depois eu volto. Estou bem aqui.”

O problema, no entanto, não está restrito à cidade e já é prática em grandes centros há alguns anos, segundo o coordenador do Movimento Nacional População de Rua (MNPR), Vanilson Torres. Em entrevista ao Pharol, ele destaca a presença da hostilidade em vários espaços. “Temos divisórias, ferros pontiagudos, jatos de água para ninguém utilizar aqueles locais. É grave quando parte de estabelecimentos privados, mas ainda mais grave quando essa hostilidade institucional parte do estado, que deveria acolher e dar garantias para toda a população.” Situação que, segundo ele, é agravada pela crise sanitária. “A pandemia escancarou muitas mazelas e mostrou que essa violência das ruas não é só física. É um espaço que é retirado, impedindo o direito fundamental de ir e vir da população de rua.”

Vanilson Torres, coordenador do Movimento Nacional População de Rua (MNPR) (Foto: Arquivo pessoal)

“É grave quando parte de estabelecimentos privados, mas ainda mais grave quando essa hostilidade institucional parte do estado, que deveria acolher e dar garantias para toda a população.”

O ‘medo da cidade’ e o pavor à diferença

O termo “arquitetura hostil”, no entanto, está longe de ser uma unanimidade entre arquitetos e urbanistas. “A hostilidade é uma qualidade que não deveria estar presente na construção dos espaços de habitar, seja uma casa ou a cidade. Se considerarmos a arquitetura e o urbanismo, em suas funções primárias, como espaços de abrigo e socialização, estes deveriam respectivamente acolher e incluir”, destaca a arquiteta e professora da FAU/UFJF, Raquel von Randow Portes. “Diante de uma era de ‘medo da cidade’, do pavor à diferença e da segregação dos desiguais, a hostilidade infelizmente habita os espaços da cidade, funde-se às casas, edifícios, ruas e às ideias de quem a constrói.”

“Diante de uma era de ‘medo da cidade’, do pavor à diferença e da segregação dos desiguais, a hostilidade infelizmente habita os espaços da cidade, funde-se às casas, edifícios, ruas e às ideias de quem a constrói”.

Uma subjetividade que é entranhada nos hábitos daqueles que erguem os espaços e que não veem as ruas como o lugar da produção da diferença. “São produtores dos espaços públicos e privados que acreditam em propostas que segregam e não em propostas que unem”, declara o também professor e pesquisador da FAU, Antônio Agenor. “Assim são feitos bancos de praça onde não se podem descansar, pedras pontiagudas embaixo de viadutos, cercas elétricas e um certo paisagismo repressor com plantas espinhosas que não permitem a integração de ambientes e a possibilidade de usufruí-lo. Uma sociedade com muito medo do encontro com o outro. Com medo da invasão da propriedade privada que, muitas vezes, foi grilada ou conquistada de forma ilegal.”

Hostilidade que, segundo o docente, tem um público-alvo definido. “Vivemos em uma sociedade com um furor punitivista e desejosa que certos grupos sejam excluídos desta possibilidade de habitar espaços que ampliem a potência de vida e de múltiplos engajamentos possíveis. Por aqui ainda reina soberano, nos projetos de muitos arquitetos e empreendedores, o nefasto elevador de serviço que, ao contrário do que possa sugerir o nome serve, na prática cotidiana dos condomínios brasileiros para o transporte de empregados que somente podem acessar as  residências de seus patrões pela porta dos fundos, por exemplo”, diz, exemplificando com o caso do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que estava aos cuidados da patroa da mãe e morreu após cair de prédio do 9º andar de um prédio de luxo no Centro do Recife em 2020.

“Vivemos em uma sociedade com um furor punitivista e desejosa que certos grupos sejam excluídos desta possibilidade de habitar espaços que ampliem a potência de vida e de múltiplos engajamentos possíveis.”

Sorria, você está sendo controlado

Para o também professor da FAU, Fábio Lima, os elementos defensivos na arquitetura remetem à incorporação de aparatos militares de defesa no espaço público, com o objetivo de controle e a restrição ao uso destes ambientes. “As cidades perderam o sentido da liberdade do ir e vir, que passa a ser controlado por aparatos defensivos e hostis. No caso dos espaços públicos, sua implantação parte de um preconceito, um intuito de controle social e cultural, no sentido da proibição de apropriações feitas de maneira diferente ao que foi padronizado. Assim, estes artefatos vão sendo ampliados para proteção e defesa, relacionados aos cenários de guerra e às práticas de regimes autoritários.” O professor exemplifica lembrando o instrumento de tortura com choque elétrico, utilizado na ditadura militar, que foi re-introduzido na forma de cercas eletrificadas nas edificações.

(Ilustração Fábio Lima)

A pesquisadora Raquel von Randow cita Steven Flusty autor de “Building Paranoia” (Construindo Paranoia, ainda sem tradução no Brasil), que elenca alguns elementos modernos de defesa substitutivos aos fossos medievais, torres e muralhas das cidades antigas. Há “o espaço escorregadio”, com vias de acesso tortuosas ou inexistentes, o “espaço escabroso”, que não pode ser confortavelmente ocupado, sendo defendido por bordas inclinadas que impedem que as pessoas se sentem e o “espaço nervoso”, que não se pode usar sem ser observado, por conta da vigilância ativa de grupos de patrulhamento e de tecnologias de televigilância conectadas a estações de controle. “Os estratagemas arquitetônicos e urbanísticos que antes protegiam os cidadãos das ameaças externas, dos inimigos nomeados que desejavam tomar a cidade, hoje convertem-se em elementos que separam os indivíduos da própria cidade, dos seus vizinhos, de seu contato com a vida social e da construção de suas identidades locais. Podemos nos perguntar: por trás dos muros, grades, ambientes que restringem a um tipo de público apenas, quem está preso e quem está solto? Quem está fora e quem está dentro?”

A professora da FAU também observa que as cidades, “antes fundadas sob uma identidade local, tendo a sua segurança garantida pelos ‘olhos da rua’, têm hoje grande parte de seus espaços pautados numa identidade global capitalista. O indivíduo, alienado do seu contexto urbano e fragilizado pela insegurança e pelo medo, recolhe-se a um ambiente insípido e pasteurizado.” Ela também cita as barreiras invisíveis existentes nos nossos espaços urbanos. “A segregação espacial acontece de forma física no impedimento do acesso através de muros, grades, cancelas, mas também de forma simbólica, tão violenta e incisiva quanto, a negros, mulheres, LGBTIs e demais indivíduos marginalizados. Podemos lembrar do fenômeno dos ‘rolezinhos’ – encontros marcados por adolescentes das periferias brasileiras, em sua maioria negros, em shoppings de suas respectivas cidades. O movimento era marcado na maior parte por estranhamento, repressão e violência, deixando clara a distinção por raça e classe aos espaços da cidade e suscitando também uma outra reflexão, a da lógica consumista, em que a inclusão passa pelo consumo.”

Curva do Lacet antes e depois (Fotos: Jorge A. Ferreira Jr e Divulgação/Câmara Municipal JF)

A expropriação das comunidades no caso Dom Bosco

Um dos principais exemplos de segregação e expropriação de espaços de convivência em favor da lógica mercadológica em Juiz de Fora pode ser observado no bairro Dom Bosco. O processo de valorização da região, com atração de investimentos e equipamentos para as proximidades do bairro acabou legitimando a “gentrificação” e a expulsão gradativa das populações locais.

A “tomada” do espaço vem ocorrendo em várias frentes. A principal delas foi o desmonte dos maiores espaços de lazer e sociabilidade da comunidade do entorno do bairro, o campo de futebol da Curva do Lacet, que foi transferido em 2006, dando lugar a um projeto paisagístico para o embelezamento da área frontal do Independência Shopping. Houve inclusive a preocupação de ondulação do terreno gramado, impedindo, assim, qualquer possibilidade de prática de esportes no local. A ação mobilizou vários movimentos populares tanto do próprio bairro, quanto da sociedade civil organizada, como protestos e ações de ocupação do local, abaixo-assinados e projetos alternativos para o espaço. 

Outro ato que contribuiu para o processo de desterritorialização da população do bairro Dom Bosco foi o fechamento da Escola Estadual Dom Orione, em 2009. Com a medida, os estudantes foram encaminhados para as escolas estaduais Fernando Lobo, no São Mateus, Polivalente, no Teixeiras e Escola Municipal de Ensino Fundamental São Pedro, mais afastadas de suas casas.

A remoção do tanque comunitário, conhecido popularmente como bica d’água, foi outra ação de apropriação de espaços de convivência da comunidade do Dom Bosco. Utilizado pelas lavadeiras do bairro como espaço de trabalho e também de encontro, o local foi desativado em função de obras de expansão do Complexo Hospitalar Monte Sinai. 

Segundo o treinador de futebol, José Rafael Monteiro, que há 20 anos desenvolve projetos no Dom Bosco, há 10 anos, o bairro tinha entre oito e dez equipes de várzea, que se reuniam todo fim de semana no campo do Lacet. “Com a transferência do campo, hoje temos entre três e quatro times”, lamenta. Ele também aponta problemas de infraestrutura do novo espaço, localizado ao lado do Sesi, como número reduzido de vestiários, sem sombras e em condições degradadas. “O impacto foi gigantesco, pois afastou a comunidade do lazer, e reduziu esse vínculo entre eles. Era o melhor campo de várzea da cidade e isso se perdeu.”

Quem sentiu a perda na pele foi o morador do Dom Bosco e fundador do Coletivo Pretos em Movimento, Gleison Martins. Nascido no bairro, há 28 anos, ele conta que o campo funcionava como um ponto de encontro e lazer para as famílias. “Toda a comunidade sentiu muito essa perda. Meu avô jogava lá, meu pai também. No sábado, as crianças e os adolescentes jogávamos, no domingo íamos para acompanhar nossos pais e aproveitávamos para conversar e brincar. Era o nosso espaço.” Ao ver o campo gramado e cheio de morros hoje, o sentimento é de tristeza. “Foi uma ação de exclusão social, para tirar os moradores do Dom Bosco da frente do shopping. Eles gostam de falar em inclusão e criação de emprego, mas para os moradores só ficaram as funções mais precarizadas, com os piores salários. É uma exclusão que se faz pelo consumo, mas também de forma ostensiva. Qualquer um de nós que entra naquele espaço é perseguido pela vigilância, as pessoas nos olham como se não pudéssemos estar ali.”

Para ele, a necessidade é de resistência. “Os jovens da comunidade ficaram sem ter o que fazer. Sem estado presente. A praça criada no bairro não nos atende, está sempre cheia de mato, quando chove, a água fica acumulada no local. A gente tem perdido espaços culturais e de história do bairro. Hoje eu só tenho como lembrar e contar a história do campo do Lacet para meu filho, que está com 9 anos e não vai viver o que vivi.”

Para o líder comunitário Luiz Cláudio do Nascimento, que foi presidente da SPM do bairro Dom Bosco entre 2010 e 2016, o fim das atividades da Escola Estadual Dom Orione foi uma das maiores perdas. “Era uma escola muito boa, que já foi ‘escola modelo’ de Juiz de Fora com quase dois mil alunos em 3 turnos. Com a construção da escola de São Pedro, passamos a ter menos alunos e a secretaria (Estadual de Educação) nos mostrava gráficos com a redução de estudantes para justificar o fechamento.” Além disso, ele fala sobre o modelo de construção de empreendimentos no local. “Hoje existe uma cortina de concreto, que é real.” E completa: “mas o que queremos no bairro é mostrar atitude e nosso protagonismo, não a pobreza.”

Para a geógrafa, professora no Instituto de Ciências Humanas (ICH) na UFJF e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Geografia, Espaço e Ação (NuGea), Clarice Cassab Torres, o caso do Dom Bosco ilustra a formação de espaços de segregação a partir da dinâmica da produção da cidade. “A partir da década de 90, o Dom Bosco foi um eixo importante de expansão do capital, principalmente o imobiliário. E essa expulsão ocorre por conta da valorização desse solo por este capital e pelas perdas de áreas de convívio, diferentemente de outros casos, como a Vila da Prata, quando houve uma expulsão repressiva, com a presença de militares.” Ela destaca ainda que as ações no Dom Bosco ocasionam inúmeras perdas em vários sentidos. “Houve perda de espaços de ocupação como as escolas, que fizeram seus moradores terem que estudar mais longe, com maior deslocamento e até aumento de gastos com o transporte. Também tem a perda de fontes de renda e a tentativa de invizibilizar esses sujeitos como se não fossem parte e produtores dessa cidade, com direitos de uso, apropriação e consumo.”

A valorização do solo teve como uma das principais consequências o aumento do custo de vida no bairro. “Há aumento de impostos, mas também do pão da padaria, que fica mais caro. Além da perda de espaços de sociabilidade e convívio há um impedimento do usufruto da cidade e o apagamento desses sujeitos. E com isso temos a cidade que oprime, segrega, invisibiliza, e que tolera a presença desses sujeitos contidos em seus espaços de pobreza, em um processo de contenção territorial. Circulam como força de trabalho, mas não como sujeitos que produzem, consomem e têm o direito à cidade. Um direito que lhes é negado.”