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Discordologia

A Escola de Atenas é uma das mais famosas pinturas do renascentista italiano Rafael e representa a Academia de Atenas. Foi pintada entre 1509 e 1510 na Stanza della Segnatura sob encomenda do Vaticano.

Hoje é dia de aula de Filosofia. Ou de Epistemologia. Até um pouco de Genealogia ou de Etimologia. E Blablablologia.

A mãe de todas as ciências não é uma ciência, ou Tales de Mileto não cairia em um poço artesiano enquanto caminhava a refletir que água é tudo e que o mundo é um monte de terra boiando numa poça. Mais de dois mil anos depois os terraplanistas (caramba, gastaram um nome pra essa fantasia!) ainda não caíram na real. Ou no poço.

Pensadores de antanho (Gregos Antigos, com as maiúsculas de respeito) desdobraram as reflexões que chagaram à Retórica é à Ética (Aristóteles), à Matemática (Pitágoras), à Física (Demócrito) e, entre outros, à Medicina (Hipócrates de Cós, a quem se jura nas formaturas e muitos médicos desconhecem o que falam, como se encaminhassem uma mensagem no WhatsApp).

Foi na Medicina, por exemplo, que Freud descobriu caminhos ainda inexplorados da mente e, com Charcot e pela Psicologia, chegou à Psicanálise, que tantos ampara há mais de um século e ainda mais nesse caos pandêmico. E a Medicina também, com desdobramentos cirúrgicos, terapêuticos, farmacêuticos, preventivos, aloterápicos e quimioterápicos, gerou especialidades, formações e pesquisas que vão até pesquisas antroposóficas e quânticas.

Entre as preocupações sociais, temos a Política do Aristóteles, discípulo do Platão e herdeiro do Sócrates, este um dos grandes nomes da Antropologia e do Existencialismo avant la lettre. Política sempre foi discutida, como Antropologia e Comunicação, mas essas ciências demoraram a ganhar cátedra.

A Política tá na boca do povo, ou não seria política, não aconteceria na pólis. Quem, na Grécia Antiga, ficava em casa e se negava a participar do debate, era a-político, negava a política. Sábios como eram o gregos, tinham um termo específico pra esse tipo de sujeito: idiota.

Nos debates acadêmicos, a pólis ganhou lugar também nas Ciências Sociais, que nasceram como tais com Auguste Comte e seu positivismo. Comte dizia que a sociedade organizada chegaria ao progresso para que o convívio pudesse acontecer com amor. A bandeira do Brasil peca pela falta do Amor, geralmente representado pela cor vermelha. Aos que insistem que essa cor nunca estará lá, entende-se o que lhes falta.

Pelo pensamento sociológico vieram diferentes leituras da sociedade, já antecipadas por Heráclito: tudo muda, panta rei, nesse fogo que jamais atravessa duas vezes o mesmo rio. Estudar gente é um caos, porque gente tem opinião. E mais uma vez vamos aos gregos.

Doxa é opinião, tá lá no Parmênides. Ela dialoga com a verdade, a razão: Alétheia. As ciências, os estudos, as pesquisas buscam fundamentar a razão diante da opinião. Doxa é o que o vereador Casal, de Juiz de Fora, deixa claro ao ler (com dificuldade, falta-lhe vocabulário) o manifesto para a abertura do Museu Mariano Procópio para o público na audiência pública do último dia 24. Alétheia é o amparo em estudos de História, Sociologia e Antropologia que espera um museu como espaço de diálogo entre passado no acervo, presente nas pessoas e futuro na reflexão.

De tanto falar em Antropologia, é importante contextualizar a importância do Brasil nessa origem. Um dos nomes mais importantes dessa Ciência Social é Claude Lévy-Strauss, que pisou em terras tupiniquins por tanto tempo quanto a pesquisa lhe demandou. Vivendo, observando e anotando o mundo, não se poupou das informações geográficas de terreno e povo para fundamentar seus estudos. De novo: fundamentar os estudos.

Das Ciências Sociais Aplicadas vem também o Jornalismo, amparado no Pavlov da Psicologia, na Sociologia da Escola de Chicago, na Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e nas constantes mudanças tecnológicas. E o Jornalismo não se furta aos desdobramentos: Cultural, Esportivo, Político, Econômico, Opinativo…

Nessa mistura entre Jornalismo Opinativo e colunas de periódicos encontramos uma convergência de saberes, um Rio Negro se misturando a um Solimões e se fazendo maior. Jornalista pode opinar. Quem não pode? Importante arcar com as consequências, fundamentar a fala e trazer o passado no texto. É como a conclusão de um trabalho acadêmico: com base em toda a pesquisa, o eu fala.

Saramago escrevia em colunas, trazendo militância, literatura e vida. Fausto Wolff, jornalista, fez viagens a trabalho e em exílio e misturava tudo em suas colunas até o fim da vida, quando escrevia no Jornal do Brasil. Para não ficarmos apenas nos comunistas, temos Elio Gaspari, Eliane Brum, Atila Iamarino, e tantos outros escrevendo, falando, videozando em diversos canais e representando suas áreas.

Por mais que estejam assinando o texto, em qualquer formato, nas colunas de opinião, especialistas amparam-se em suas ciências, não em Achologia. Esta, nascida da Doxa grega, desdobra-se também em novas formações, entre as de nome estrangeiro, como Fake News, e as de alcunha nacional, como a Discordologia.

Na última semana, em um grupo de WhatsApp, o texto da Rosana Pinheiro-Machado publicado no jornal El País gerou comentários “não concordo”. A autora é uma antropóloga e tem pesquisas que embasam cada linha escrita, não é uma coluna de Achologia. Tem apontamentos pessoais, claro, é um texto opinativo, mas fundamentado em pesquisas que passam por toda uma trajetória acadêmica que pode ser conhecida, por exemplo, no livro Amanhã vai ser maior (além das postagens de Twitter, onde ela tem presença constante).

A Discordologia tem uma corrente antagônica à raiz achológica, que se chama Crítica (teóricos desta corrente, inclusive, renegam a alcunha de discordologistas, tomando-a como gratuita). Os componentes da Crítica, em grupo diminuto diante do crescimento da Achologia (por eles tomada como doutrina), têm crescente revolta e sempre se perguntam diante de cada texto: por quê?

E no cerne da questão está a Blablabologia, que tem como principal definição “o prazer de ouvir a própria voz”. É como achar feio o que não é selfie. Os onanistas da oratória conseguem achar pelo em ovo, desencadeando mimimismos que tornam o Teatro do Absurdo um Iluminismo Cartesiano. Questionadores, críticos e sensatos recomendam, nesses casos, leituras, escutas e consciência de mundo, com boa dose de silêncio antes de se passar por um imbecil.