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Aulas presenciais: como a decisão do TJMG impacta o debate em Juiz de Fora

A decisão pela volta às aulas presenciais não afeta imediatamente os juiz-foranos que se encontram na faixa vermelha do programa Juiz de Fora Pela Vida (Foto: Agência Senado)

Uma das principais notícias do estado na última quinta-feira (10) foi a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) de derrubar o mandado de segurança impetrado pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sindi-UTE) e autorizar o retorno presencial às aulas na rede estadual. Logo em seguida, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) comunicou que a volta dos estudantes às salas de aula está marcada para o dia 21 de junho, ao passo que os trabalhadores da educação — professores e auxiliares de administração escolar — devem comparecer às escolas uma semana antes, ou seja, já a partir da próxima segunda-feira (14).

A decisão não afeta imediatamente Juiz de Fora, já que vale apenas para municípios que estejam nas ondas verde ou amarela do programa Minas Consciente, sendo que a cidade se encontra na faixa vermelha de seu próprio programa, o Juiz de Fora Pela Vida. Mesmo nos municípios onde o retorno já é autorizado, a possibilidade real e a determinação final dependem ainda das autorizações de cada prefeitura. No entanto, ainda que as escolas estaduais da cidade não retomem suas atividades de pronto, a decisão judicial impacta a discussão sobre o tema no município, um debate que já tem sido marcado por disputas. Insere-se também numa controvérsia nacional que passa até mesmo pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, pedir, no mesmo dia, um parecer ao Ministério da Saúde para desobrigar uso de máscaras para vacinados, como se estes não pudessem ser afetados pela Covid-19 — ainda que, em sua maioria, por manifestações mais brandas — nem continuassem transmitindo-a.

Os assuntos podem parecer desconexos, mas não são. No último dia 8 de junho, por exemplo, o Twitter oficial do Ministério da Educação publicou banner divulgando o Guia de Implementação de Protocolos de Retorno das Atividades Presenciais nas Escolas de Educação Básica. “Segurança a todos os estudantes do País”, é o que defende a postagem, ressaltando, na legenda, que, para que isso aconteça, “é importante que toda a comunidade escolar adote as medidas necessárias”. Na imagem, porém, na qual são retratadas poucas crianças, com o devido distanciamento entre elas, o garotinho ao fundo, de camiseta listrada, traz a máscara vermelha abaixo do nariz, deixando-o totalmente descoberto. Um erro de propaganda ou um vaticínio?

Categoria reage

Sobre a decisão da Justiça mineira, o Sind-UTE reagiu. “É um absurdo. Recebemos essa notícia com muita indignação. Ficou muito evidente para nós que o TJMG tomou essa decisão de comum acordo com o governo de Minas”, manifestou a diretora do sindicato em Juiz de Fora, Victória Mello, referindo-se ao intervalo entre as duas sessões devido ao pedido de vistas do desembargador Versiani Penna. Isso porque no julgamento anterior, no dia 27 de maio, quatro desembargadores até haviam sido favoráveis ao retorno às aulas presenciais, mas mediante a garantia, por parte do governo, de condições de trabalho adequadas, sem o risco de aumento do contágio pela Covid-19. Na visão do Sind-UTE, essa posição estava de acordo com o pleito do sindicato e o pedido de vistas, entretanto, teria modificado a correlação de forças.

O Sind-UTE alega que se trata de uma irresponsabilidade. “Todos os dados mostram que a pandemia não está controlada. Que, pelo contrário, está num processo de recrudescimento”, aponta Victória. “Só ontem, mesmo dia da decisão do TJMG, houve 319 mortes por Covid-19 no estado e mais 11 mil casos.” De fato, a quinta-feira registrou uma nova ascensão no número de mortos e a oscilação dos valores no estado não tem se sustentado em patamares mais baixos, quando eles são registrados, por mais de sete dias. 

Na propaganda do MEC sobre o Guia de Implementação de Protocolos de Retorno das Atividades Presenciais nas Escolas de Educação Básica, um aluno aparece com a máscara abaixo do nariz, deixando-o totalmente descoberto (Reprodução @MEC_Comunicao)

Apesar da sobrecarga de trabalho trazida pelas aulas remotas — com, como relatado pela diretora do Sind-UTE, os professores tendo realizado “um giro para um método de trabalho que não dominávamos, com nossas próprias ferramentas, mantidas com nossos salários há cinco anos sem reajuste” —, a preocupação com as consequências que o retorno à modalidade presencial pode provocar sem controle da pandemia tem sido uma pauta da categoria. “É evidente que, com escolas abertas, a circulação de pessoas aumenta. A maioria da população mineira não recebeu ainda a primeira dose da vacina”, pondera Victória.

Pelos dados de 11 de junho no Vacinômetro disponibilizado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), e também considerando as estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Minas Gerais tem cerca de 25,24% de sua população vacinados com a primeira dose e 11,9% imunizados com as duas doses da vacina. Em Juiz de Fora, esses percentuais são de 31,56% e 14,11%, aproximada e respectivamente.

A vacinação é uma das variáveis que tem sido considerada no debate. Em diversas cidades do estado, já teve início a imunização de trabalhadores em educação, inclusive em Juiz de Fora, onde as vacinas para esse grupo começaram a ser aplicadas, por faixa etária e nível de ensino em que atuam, no último dia 10. Para o Sind-UTE, porém, a medida não é suficiente. “Não defendemos que o professor seja vacinado na frente da população, porque não acreditamos que só nosso setor vacinado vai garantir que não haja contaminação e aumento da pandemia.”

Caso a caso

A opinião vai ao encontro do posicionamento do médico pneumologista Hermano Castro, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ouvido na semana passada por O Pharol. Segundo ele, a vacinação é fundamental, embora não resolva o problema por si só. “Não bastam poucas categorias vacinadas. É preciso vacinar pelo menos 70% da população. O trabalhador da educação precisa ser grupo prioritário de vacinação, mas é preciso integrar todas as ações: distanciamento, máscaras, álcool gel, ventilação adequada, infraestrutura. A vacinação por si só não corta a cadeia de transmissão”, destacou, na ocasião.

Embora por outro viés, distinto do apresentado pelo sindicato, a posição da Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora também não diverge daquela do especialista, para o qual “[o] que define a possibilidade do retorno, na verdade, é a própria pandemia”.

“Desde o ano passado que o estado vem se preparando de alguma forma para este momento de um possível retorno. Isso não significa dizer que o retorno será num dia determinado, mas pensar no que deve acontecer ‘quando do retorno’, quando ele for possível. E isso leva em conta as especificidades municipais”, explica a diretora educacional da SRE, Eliani Gomes. “Nossa regional é composta por 30 municípios, incluindo Juiz de Fora. Não são todos os que voltam agora, pois cada um está numa onda [de contágio] diferente. Alguns aderem às orientações do próprio município, enquanto outros seguem o programa do estado. Mas o que estabelece ou não o retorno é o município, por conta da ocupação hospitalar. Isso é o que dita, na verdade, a possibilidade da volta às aulas presenciais.”

Para Eliani, o grande problema a respeito desse debate tem sido a desinformação. “Qualquer noticiazinha, por menor que seja, tem repercussões variadas. Tem o pessoal que é a favor, tem o pessoal que é contra, tem as famílias, tanto de alunos quanto de trabalhadores, sejam os professores que estarão na sala de aula, sejam os servidores administrativos”, enumera. “O pior é a desinformação. Ela prepondera em todos os segmentos.”

Diagnósticos e perspectivas

Bem antes da decisão do TJMG, de acordo com a diretora educacional da Superintendência Regional de Ensino, as escolas da rede estadual, incluindo as da região, já vêm tomando providências para seguir as determinações dos protocolos de retorno. “Verbas vêm chegando desde o ano passado para a manutenção dos prédios, da infraestrutura. Às vezes até para pintura, porque sabemos que prédios fechados se deterioram muito mais do que quando estão em funcionamento. Então os diretores das escolas fazem a solicitação da verba de reparo, abre-se a licitação etc. Algumas escolas também sofreram com intempéries, enchentes, tempestades, precisam de troca de telhado… Isso demanda tempo.”

Conforme Eliani, para uma escola aderir ao retorno, ela precisa preencher um check-list: totens de higienização; bebedouros preparados não para uso coletivo, mas para abastecer recipientes individuais dos alunos e trabalhadores; aparato de máscaras e álcool gel; sabonete líquido; papel toalha; papel higiênico; copos descartáveis; lixeiras com tampa e pedal; distanciamento de no mínimo um metro e meio entre as carteira etc.

Tudo isso, segundo ela, tem sido providenciado, mas também existem as particularidades de cada escola. “Mesmo porque esse retorno só será efetivado para um pequeno percentual”, diz. A quantidade de alunos por turma presencial, por exemplo, depende do tamanho das salas de aula, que são diferentes em cada instituição de ensino da rede. “Uma sala onde caberiam 30 alunos vai ter que passar por um cálculo e, provavelmente, caberá apenas um terço.”

Eliani frisou também que, quando possível na cidade, o retorno ainda assim, como no restante do estado, será gradual, começando apenas com as turmas do 1° ao 5° ano do ensino fundamental, para, em seguida, em prazos consecutivos de 14 dias de observação, ser estendido aos anos finais do fundamental e, depois, ao ensino médio. A volta também será facultativa. “Primeiro só retornam os alunos cujos pais manifestarem vontade. Aos outros, continuarão sendo garantidas todas as formas de acompanhamento remoto, com o estado assegurando 100% do acesso ao aplicativo Conexão Escola sem impacto no pacote de dados móveis dos alunos e suas famílias”. Isso, segundo ela, além da transmissão de aulas pela Rede Minas e da entrega das apostilas e dos materiais impressos para aqueles que necessitem recebê-los dessa forma.

Levar essas informações às famílias, para a SRE, é tão importante quanto lutar contra a desinformação sobre o próprio controle da pandemia. “É fundamental que todos — professores, alunos, pessoal administrativo, famílias — tenham consciência das medidas de segurança para garantir asseio e distanciamento. O que impacta, na verdade, são as desinformações. Os profissionais da área de saúde estão o tempo todo expostos. Eles não podem ter medo e nós podemos? A questão é que, para que o retorno aconteça em segurança, temos que estar todos muito bem informados, sem flexibilizar as medidas de asseio e distanciamento que estão postas, estão esclarecidas.”

Caso contrário, a desinformação — essa mesma presente na imagem usada pelo MEC para divulgar seu protocolo ou que faz tanta gente apoiar as declarações reiteradas feita pelo presidente da República contra o uso obrigatório e necessário de máscaras adequadas — se torna um vírus tão letal quanto.