Educa

Com R$ 1,2 bilhão para melhorias em escolas, MEC não se mexeu para a volta às aulas

(Intervenção sobre foto: Camila Matheus)

Relatório da Comissão Externa de acompanhamento do Ministério da Educação (Comex/MEC), apresentado na última semana na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, revela que, embora com R$ 1,2 bilhão a serem destinados à infraestrutura da educação básica no país, o MEC não gastou um centavo sequer no primeiro semestre de 2021. O mesmo relatório mostra que, até dezembro de 2020, das 15.386 obras de escolas e creches financiadas com recursos federais, 47% (7.363) encontravam-se paralisadas, canceladas ou atrasadas.

Tudo isso em um contexto em que mais da metade das salas de aula de escolas públicas municipais e estaduais são consideradas inadequadas. No total, 28,4% das escolas públicas não possuem salas em tamanho adequado; 57% não possuem pátio descoberto; 69% não contam com área verde. Além disso, mais de 4,3 mil delas não possuem banheiro e mais de 3 mil não têm abastecimento de água.

“Num cenário de pandemia, em que se deve higienizar constantemente as mãos e reduzir o fluxo de pessoas no mesmo ambiente, o estabelecimento de uma quantidade suficiente de banheiros é exigência para o retorno às aulas presenciais de forma segura”, aponta o relatório, que foi construído a partir de atividades de acompanhamento da pasta e da análise de 17 requerimentos de informação.

“Apresentaram um plano de biossegurança, mas não repassaram recursos para que as escolas fizessem as adaptações necessárias. Um descaso com a educação”, aponta o deputado e coordenador da Comex, Felipe Rigoni (PSB-ES). De uma forma geral, os deputados consideram que a educação brasileira apresenta um quadro de “debilidade generalizada”, com “grave inconsistência técnica” e “insuficiência de recursos para políticas públicas”.

“Apresentaram um plano de biossegurança, mas não repassaram recursos para que as escolas fizessem as adaptações necessárias”

O documento traz ainda números desanimadores em relação à conectividade na educação. Até o término do primeiro semestre de 2021, o MEC não havia entregado nem a metade de chips com internet prometidos para alunos do ensino superior e técnico para 2020. O relatório indica que apenas 143.855 alunos receberam o material, sendo que a meta do Governo federal era beneficiar 424.025 estudantes.

Aliás, o tema da conectividade na educação, considerado uma pauta prioritária em decorrência da pandemia, tem recebido pouca atenção por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Depois da tentativa do Governo de derrubar a lei que autoriza o repasse de R$ 3,5 bilhões para os estados e o Distrito Federal garantirem internet a alunos e professores de escolas públicas, a proposta aprovada pelos deputados e senadores foi vetada pelo Planalto.

Ao retornar para o Congresso, o veto foi derrubado, e, no início deste mês, a proposta foi sancionada. Mais uma vez, o Governo voltou sua carga contra a iniciativa e ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a vigência da lei.

Ainda com relação ao ensino superior e técnico, o diagnóstico mostra que os investimentos na rede federal de ensino vêm caindo desde 2015. No período dos últimos cinco anos, a redução foi de 11% nas despesas com universidades e de 20,7% com a educação profissional. Neste ano, para se ter uma ideia, apenas a ação de reestruturação das universidades sofreu um corte de 96,1%, saindo de R$ 243,2 milhões em 2020 para os atuais R$ 9,4 milhões.

Política de apagão na educação

Tudo começou no dia 15 de dezembro de 2016, data da promulgação da Emenda Constitucional 95, que, entre vários artigos, instituiu o “Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros” e limitou as “despesas primárias” de cada ano “ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo”. Traduzindo, o que a EC 95 fez — e isso já se cansou de noticiar — foi congelar os investimentos públicos durante um período de 20 anos, afetando saúde, segurança, assistência e educação e rompendo o pacto social em nome do bem-estar e da proteção social da população.

A EC 95 foi retomada agora como um dos argumentos do Governo Jair Bolsonaro para questionar a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, aos estudantes e aos professores da educação básica pública em razão da Covid-19. O cabo de guerra que se tornou a questão da conectividade na educação para o Planalto revela as artimanhas do discurso de justificativa de desinvestimento.

Os setores que defendem o retorno imediato às aulas presenciais talvez argumentassem que, uma vez não aplicada no ano passado nem no primeiro semestre deste ano, a medida agora, na iminência da abertura das escolas, seria inócua. Não é, até porque, mesmo que a volta às salas de aulas físicas aconteça logo, o modelo híbrido ainda deve viger por um tempo, de modo que o acesso à internet continuará sendo necessário.

Mas, enquanto o Governo Bolsonaro alega que a lei em questão coloca em risco o teto de gastos, o que parece, no frigir dos ovos, é que a justificativa do teto de gastos é que serve aos interesses envolvidos no desinvestimento público em educação.

A educação foi a área mais atingida pelos cortes orçamentários deste ano, conforme o Decreto 10.686, assinado em abril pelo presidente e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Foram R$ 2,7 bilhões bloqueados no orçamento do MEC e outros 2,2 bilhões vetados, totalizando quase R$ 5 bilhões de redução. E, como revela agora o Relatório da Comissão Externa de acompanhamento do Ministério da Educação (Comex/MEC), a situação se agrava com a baixa execução orçamentária.


“A intenção é criar as condições para a mercantilização da educação”

Sobre o desinvestimento e suas implicações, que vão dos impactos da pandemia — a falta de recursos, por exemplo, para fazer as adequações espaciais das escolas ao retorno presencial — até um olhar privatista sobre a educação, O Pharol conversou, no mês passado, com o professor André Martins, docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), doutor em Educação e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação, atuando principalmente a respeito de política educacional, planejamento educacional e projetos empresariais para a educação pública. Confira:

O Pharol: O que desinvestimento evidencia sobre o projeto educacional de Bolsonaro?

André Martins: Penso que os dados confirmam as intenções do Governo Bolsonaro, qual seja: reduzir as funções do Estado em relação aos direitos sociais, seguindo a velha cartilha neoliberal. A intenção é criar as condições para a mercantilização da educação.

É importante notar que o presidente e seus ministros atuam em profundo desrespeito ao Artigo 6º da Constituição de 1988 ao realizarem os cortes orçamentários nas áreas sociais, especialmente na educação. Destaco ainda que o texto constitucional, especificamente o Artigo 85, define ser crime de responsabilidade do presidente da República atuar contra o exercício dos direitos sociais. Além dos aspectos destacados, avalio que o objetivo do Governo Bolsonaro é promover o apagão da educação brasileira para afirmar a ignorância como referência para a sociabilidade em nosso país.

O Pharol: O que isso implicou (e ainda implica) para o enfrentamento à pandemia na educação? Houve, por exemplo, a recusa em garantir internet para estudantes de escolas públicas. Há também a questão de que as escolas precisam se adaptar aos protocolos para retorno presencial e isso demanda recursos e reformas estruturais. Você saberia dizer se e como esse desinvestimento afetou os municípios, em especial Juiz de Fora?

André Martins: Em primeiro lugar, não podemos esquecer que, em abril de 2019, o Governo decretou o corte de R$ 5,839 bilhões da educação, afetando as universidades e os institutos federais, bem como programas ligados à educação básica de estados e municípios.

O Governo alegou que a medida foi tomada em observância à Emenda Constitucional nº 95 — que é uma aberração legislativa —, aprovada após o golpe de 2016 com apoio do deputado Jair Bolsonaro. Mas, na verdade, o corte foi a expressão do projeto de desmonte da educação nacional. Pressionados pelos protestos que se espalharam em todo país logo nos primeiros meses de mandato, o presidente e seu Governo foram obrigados a recuar suspendendo os cortes.

André Martins (Foto: Arquivo pessoal)

Ao longo de todo o ano de 2020, observamos perplexos a postura negacionista do Governo em relação à pandemia. Abraçando a ignorância como forma de fazer política, o MEC abdicou da tarefa de coordenar a educação brasileira, criando problemas significativos para o exercício do direito social à educação, sobretudo nas creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental e médio de estados e municípios.

O Governo se limitou a sinalizar que as aulas presenciais poderiam ser substituídas por aulas remotas, mas não realizou nenhuma ação para viabilizar a realização do ensino remoto como medida paliativa e emergencial. Com isso, todos os estudantes de escolas públicas foram afetados, inclusive os de Juiz de Fora.

Em nossa cidade, o Governo Almas lançou um projeto pedagógico, com lacunas e inconsistências, que visava manter a ligação entre estudantes e seus professores. Contudo, sem recursos financeiros e equipamentos novos nas escolas, o magistério municipal teve que se desdobrar para viabilizar a implementação do referido projeto.

Em resumo, as professoras e os professores pagaram a conta que deveria ter sido assumida pelo Governo federal. Arcaram com o custo de pacotes de dados para acesso à internet e até mesmo parte da impressão de material didático. Se o Governo federal tivesse compromisso com a sociedade, teria enviado recursos para a educação, atendendo inclusive às necessidades das alunas e dos alunos.

O Pharol: E sobre os vetos do Governo federal à conectividade na educação?

André Martins: Sobre a questão da internet, é importante notar que o Bolsonaro vetou integralmente o projeto de lei que estabelecia o apoio financeiro para garantir acesso à internet gratuita para viabilizar o ensino remoto durante a pandemia. Vale destacar que a medida atenderia somente aos estudantes de famílias registradas em programas sociais do Governo federal e aquelas de comunidades indígenas e quilombolas. Trata-se da população que vive intensamente os efeitos da desigualdade social. Considero o veto presidencial a essa medida uma grande crueldade.

Com cortes e vetos, o Governo Bolsonaro comprometeu o direito social à educação, desrespeitando a Constituição.

O Pharol: O Governo fala apenas em protocolos quanto o assunto é retorno às aulas.

André Martins: Sobre os protocolos de segurança que deverão ser adotados nas escolas assim que a população estiver vacinada, destaco que teremos muitos problemas em todo o Brasil. Os dados contidos no Censo da Educação do MEC revelam que a maior parte de nossas escolas públicas já apresentavam condições inadequadas de funcionamento antes da pandemia. Em todo o país, cerca de 36 mil escolas não possuem coleta de esgoto e há um número significativo delas sem água tratada.

O Governo tem esses dados e possui recursos financeiros, mas se nega a viabilizar a melhoria das condições das escolas, pois não reconhece a educação como um direito social de todas as pessoas.