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O cio da cadela fascista e a imprensa condescendente

Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, discursa em Berlim (Foto: United States Holocaust Memorial Museum)

No início desses tempos terríveis, Mario Sergio Conti, em sua coluna na Folha, trouxe à luz um livro extraordinário: “Berlin, 1933: A Imprensa Internacional Face à Hitler”, de Daniel Schneidermann. Conta a seguinte história: quando Hitler assumiu o poder na Alemanha (janeiro de 1933) havia 133 correspondentes europeus e norte-americanos em Berlim, e seis anos depois, quando a Guerra começou, apenas seis jornalistas foram considerados um “incômodo” ao regime e expulsos da Alemanha. A obra investiga, então, porque os outros 127 ficaram e, em maior ou menor grau, foram considerados “simpáticos” a uma política crescente de horror. Traz também os supostos motivos para uma certa condescendência com o nazismo: a maioria achava que era em Berlim que as coisas aconteceriam (logo, ficar no epicentro da História justificaria); uns queriam fama (reportagens e entrevistas exclusivas com Hitler ou Goebbels poderiam trazer prêmios) e outros acreditavam que a prometida recuperação econômica da Alemanha abafaria os objetivos políticos – alguns eram “apenas” nazistas mesmo, por formação ou gosto. As dúvidas lançadas no livro são simples: até que ponto, em nome desses “ideais”, os jornalistas omitiram de seus leitores a real situação na Alemanha hitlerista e, mais importante, eles não perceberam o “ovo da serpente”?

Por aqui, se no futuro alguém escrever “Brasil, 2018-2021: A Imprensa Diante de Bolsonaro”, certamente um bom número de jornalistas será citado como aqueles que não quiseram perceber, como ensinou Brecht, que “a cadela do fascismo está sempre no cio”. E não se trata dos Sikeiras (que fazem por dinheiro), nem do inclassificável Augusto Nunes, do senil Alexandre Garcia ou similares. É mais sutil e mais grave. 

Na reta final da campanha presidencial de 2018, quando o então juiz Sérgio Moro (um ídolo, ainda, de grande parte da imprensa, já contratado como ministro da Justiça e garantido no Supremo) decidiu a eleição divulgando a delação premiada de Antônio Palocci, Mirian Leitão foi sutilmente excluída por Heraldo Pereira de um programa na Globo News, por ter ousado propor discutir as consequências da vitória de Jair Bolsonaro. O mesmo Heraldo Pereira depois se encantou perdidamente por Paulo Guedes, não pelos planos econômicos do Posto Ipiranga, mas porque Guedes, em um encontro casual, disse a ele que assistia ao “Jornal das 10”. O deslumbramento do jornalista foi tanto que ele constrangia os colegas ao pedir “capricho” nas análises, já que tinham uma “audiência qualificada”.

Por aqui, se no futuro alguém escrever “Brasil, 2018-2021: A Imprensa Diante de Bolsonaro”, certamente um bom número de jornalistas será citado como aqueles que não quiseram perceber, como ensinou Brecht, que “a cadela do fascismo está sempre no cio”.

A mesma Mirian Leitão, em outra ocasião, foi violentamente atacada, ao vivo, pelo então vice-presidente eleito Hamilton Mourão (que já se definia como “profissional da violência” e fã do torturador Brilhante Ustra) – e até hoje Mourão é tratado por parte da imprensa como “acessível”, “moderado” e até, veja só, “mozão”.

E vale tudo para bajular. Tergiversar: Cristiana Lôbo (que dizia sempre, com a tranquilidade de quem come pipoca no cinema, que Bolsonaro era “danado” ou “que era assim mesmo”) em um debate sobre a submissão de capacho do genocida em relação a Donald Trump preferiu ressaltar que “Lula era amigo de George Bush” (??!!). E até se passar por mal informado: certa vez o recém demitido do INPE Ricardo Galvão cobrava um projeto do governo federal para o meio ambiente e Valdo Cruz, também da Globo News, na ânsia de atenuar a pior política ambiental em 520 anos, interveio: “Mas governo nenhum teve…” – no que foi prontamente corrigido pelo entrevistado: “Como não? Todos os últimos ministros apresentaram. O projeto da Marina (Silva) foi reconhecido no mundo todo. O senhor não sabia disso?”.   

Nos outros canais televisivos, a condescendência é a mesma. Se alguém assiste a Band News sem som, lendo apenas os caracteres abaixo da imagem, sai com a impressão que estamos sendo governados por um estadista, tamanha a discrepância entre as manchetes e os fatos. Sem contar o hábito, quase imperceptível, de trocar um assunto espinhoso por um que dê votos ao golpista. No dia em que o Brasil completou 500 mil mortos pela Peste, por exemplo, a Band repetiu cinco ou seis vezes num período de duas horas o prevaricador dizer que “Lázaro Barbosa, o bandido que aterrorizava o interior de Goiás, estaria em breve, no mínimo, atrás das grades.”

Nos dois jornais paulistas, a postura é bem esquizofrênica. A Folha se arvora de fazer um jornalismo investigativo (e faz, bem, às vezes), mas amarela nas manchetes (chegou a dar um enunciado positivo no dia em que o genocida contou todas as mentiras do mundo na ONU) e se recusa a defender abertamente o impeachment de Bolsonaro, como fez com Dilma Rousseff – crimes diferentes das “pedaladas”, certamente. E o Estadão – assim como a Veja e a Isto É – irrita as pessoas de bom senso ao insinuar que Bolsonaro e Lula são “iguais”, quando qualquer pessoa com QI 1 sabe que isso não é verdade, pela simples constatação que ninguém é igual ao genocida: ele é pior que 99% dos políticos brasileiros, seja ele Doria, Ciro, Zema, Maia, FHC, Calheiros, Alckmin, Haddad, Leite, Boulos…

Mas, no futuro, quando se investigar o papel da imprensa diante do ovo da serpente bolsonarista certamente haverá justificativas – e tolerância (será preciso mesmo tolerância para reerguer o país). Desconfio, no entanto, que tudo ficará na conta não da “notícia em si”, da pretensa busca pela fama ou na prevalência da economia e sim na lista de um hábito recorrente dos jornalistas: o de não melindrar a fonte, para não perdê-la.

A maior representante dessa “tática” jornalística é a excelente Andréia Sadi. Em seu programa ela entrevistou todo o entorno de Bolsonaro, a nata dos imprestáveis: Damares, Salles, Heleno, Mendonça, Hélio, Flávio, Pontes… Todos, até a mulher do Mourão, tentando dar “humanidade” e algum tipo de razão a um bando de idiotas. Tudo com candura e em clima de programa de culinária, para não perder as fontes. Depois, ela ganhou fama como jornalista “brava” e “combativa” ao fazer aquela pergunta, bastante mal-educada, a Frederick Wassef, o “anjo” da família Bolsonaro. E agiu assim porque estava bastante irritada com Wassef, que “quebrou o acordo” e não atendeu sua ligação, para uma exclusiva após a prisão de Queiroz.      

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Para não dizer que não falei de flores, que é a parte que me cabe neste latifúndio: na Eurocopa de futebol a Inglaterra está pronta para quebrar a sina de não ganhar nada desde 1966; a Espanha finalmente abandonou o irritante estilo de tocar a bola para lá e para cá, sem objetividade; a Itália se renovou bem, após dez anos de fiascos; a Dinamarca, depois do susto da quase morte de Ericksen, revive o clima da “Dinamáquina” da década de 80, século passado; A França pagou pela soberba; Portugal provou, mais uma vez, que não basta juntar cinco ou seis craques para montar uma boa seleção; a Alemanha, de técnico novo, vai se reerguer, e a Bélgica adotou o destino da vizinha Holanda: amarelar sempre em momentos decisivos.

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O Tupi estreou bem na Segunda Divisão do Mineiro, vencendo o Ipatinga por 2 a 1, mas perdeu muitos gols, daqueles classificados como “imperdíveis” – cinco ao todo, quatro no segundo tempo. O Tupynambás começou o torneio empatando, também em Juiz de Fora, com o Nacional de Muriaé (0 a 0).

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