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Para onde vai a CPI?

O presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz ladeado pelo vice-presidente, Randolfe Rodrigues e pelo relator Renan Calheiros (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

No final de abril de 2021, após decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, atendendo ao Mandado de Segurança apresentado pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru (ambos do Cidadania), foi realizada a primeira seção da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Diante de um Congresso Nacional que, apesar de algumas iniciativas importantes, parecia inerte frente às ações e às omissões do governo federal no combate à pandemia, a instalação da CPI foi uma vitória importante para as forças da oposição, não apenas pela sua criação em si, mas, sobretudo, pela sua configuração interna. Frente à desorganização da base governista, senadores oposicionistas ou “independentes”, embora críticos ao governo, ocuparam cargos estratégicos na comissão, com destaque para a Presidência, a Vice-Presidência e a Relatoria, respectivamente, sob a condução dos senadores Omar Aziz (PSD), Randolfe Rodrigues (Rede) e Renan Calheiros (MDB).

Desde que foi oficialmente instalada, a CPI tem provocado reações as mais diversas. Da parte dos setores governistas, por óbvio, há uma tentativa permanente de deslegitimar os trabalhos realizados e de desqualificar os membros da oposição que a compõe. Os discursos do presidente Jair Bolsonaro chamando estes senadores de “bandidos” é a face mais evidente desse movimento. Já em relação à oposição, também não há consenso quanto à avaliação da CPI, variando entre um pessimismo exacerbado, que tende a minimizar sua importância para as disputas na atual conjuntura, até um otimismo ingênuo, que acredita que a CPI, por si só, será capaz de encontrar um caminho para conduzir ao impeachment do presidente Bolsonaro.

É um equívoco pensar que a CPI “não vai dar em nada”. Na verdade, ela “está dando”em algumas coisas relevantes. Ao longo desses meses de trabalho, já foi possível colher depoimentos de personagens importantes responsáveis pelo recrudescimento da crise – como os ex-ministros da Saúde, em especial Eduardo Pazuello, e figuras como Fabio Wajngarten e Élcio Franco –, além de ter reunido vários documentos, que evidenciaram claramente a negligência e a incompetência do governo federal para a compra das vacinas, assim como a aposta em medicamentos ineficazes, como a cloroquina, e a interferência direta no Ministério da Saúde, como ficou evidente no caso da infectologista Luana Araújo. A CPI também tem conseguido demonstrar se não propriamente a existência de um “gabinete paralelo” bem estruturado, ao menos o fato de que o presidente da República foi assessorado por figuras como a médica Nise Yamaguchi, o empresário Carlos Wizard Martins e o deputado federal Osmar Terra (MDB), que negaram ou minimizaram a pandemia, apostando na “imunidade de rebanho”.

Nas últimas semanas, principalmente após o depoimento dos irmãos Miranda, a CPI entrou em uma nova fase, trazendo para o centro da crise o tema da corrupção. À incompetência e ao negacionismo, vieram se somar denúncias de desvios de recursos públicos associados à compra da vacina indiana Covaxin. E o que é mais grave: a crise chegou mais diretamente ao colo da presidente da República, Jair Bolsonaro, que, no mínimo, prevaricou ao não mandar a Polícia Federal investigar as acusações de corrupção no âmbito do Ministério da Saúde, que estariam sendo coordenadas por Ricardo Barros (Progressistas), líder do governo na Câmara dos Deputados. As novas denúncias relacionadas à propina, envolvendo figuras como o policial militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominghetti,e ex-diretores do Ministério da Saúde como Roberto Ferreira Dias e Lauricio Monteiro Cruz, além de personagens como o reverendo Amilton Gomes de Paula, fortalecem as suspeitas de que ocorreu corrupção na compra de vacinas, enquanto o país testemunhava a tragédia de milhares de mortos pela pandemia do coronavírus.

Uma CPI como a da Covid deve ter sua importância analisada não apenas pelo que efetivamente acontece em seu interior, mas também pelos seus desdobramentos externos. É como se a comissão parlamentar tivesse um efeito multiplicador, como uma espécie de um novelo de lã, que vai se desfazendo e criando novos fios de investigação, que passam a ser aprofundados não apenas pelos membros da própria comissão, mas por atores externos a ela, em especial a imprensa. Um depoimento, um documento entregue, informações equivocadas ou “escorregões” dos depoentes acabam tendo desdobramentos improváveis, abrindo, por conseguinte, possibilidades de novas investigações. Além disso, há que se ressaltar que a CPI começa a ter impactos importantes para fora dela no que diz respeito à mobilização das ruas. Não se pode esquecer que as manifestações do último dia 03 de julho somente foram adiantadas pelos organizadores em decorrência das denúncias dos irmãos Miranda no âmbito da comissão.

Porém, apesar das suas virtudes, não restam dúvidas de que a CPI da Covid corre seus riscos. E um dos principais deles se refere justamente ao potencial de dispersão que ela carrega. Se uma das potencialidades da CPI é justamente contribuir para que novos fios do novelo de lã sejam puxados, caso esses fios sejam desenrolados em muitas direções, a narrativa principal tende a perder sua força. Não obstante o tempo de trabalho da CPI possa ser expandido, ele não será suficiente para investigar detalhadamente todas as denúncias que, eventualmente, apareçam nos depoimentos, sobretudo pelo fato de a comissão não possuir os mesmos instrumentos que dispõem instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal.

Além da dispersão, a CPI corre o risco da espetacularização excessiva. Seria ingênuo pensar que o espaço de uma comissão de inquérito não é uma vitrine importante para que os senadores que a compõe se projetem politicamente, visando, sobretudo, as próximas eleições. Ademais, as declarações de efeito são importantes para as disputas de narrativas que ocorrem nas redes sociais. Porém, a despeito do fato de que a teatralização e a busca por holofotes e frases “lacradoras” que possam ser reproduzidas nos jornais sejam parte do processo político que envolve uma CPI, elas não podem se sobrepor às investigações mais substantivas e aos objetivos concretos, que justificam a própria existência da comissão.

Nesta semana, a CPI entrou em uma nova etapa, com a decretação da prisão de Roberto Ferreira Dias, a pedido do presidente da comissão, o senador Omar Aziz. Ainda que se possa compreender um gesto mais duro nesse sentido, diante das supostas mentiras contadas pelo ex-servidor do Ministério da Saúde, ações mais intempestivas como estas devem ser muito bem calculadas. Para além das discussões mais jurídicas sobre a legalidade da voz de prisão em uma situação como esta – uma vez que ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio –, do ponto de vista político o cuidado com este tipo de ação deve ser redobrado. Atitudes como estas devem ser bem pensadas tanto para evitar que a comissão seja acusada de incoerência– na medida em que outros depoentes, como Pazuello, Wajngarten e Élcio Franco comprovadamente mentiram e nem por isso saíram presos da CPI –, quanto para impedir que os depoentes optem pela estratégia adotada pelo empresário Carlos Wizard Martins, preferindo manterem-se em silêncio para que não sejam acusados de falso testemunho,tendo o mesmo destino de Dias.

Pelo que tem surgido até o momento, é bem provável que à medida que a CPI avance em seus trabalhos de investigação, ela se aproxime de esquemas de corrupção que envolvem setores que hoje são pilares de sustentação do governo, como políticos do “Centrão” e os militares. A nota ameaçadora emitida pelo Ministro da Defesa e assinada pelos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica contra as declarações do presidente da comissão, Omar Aziz, mostram uma tendência no sentido do aumento da tensão. Diante desse cenário, é ainda mais importante que a CPI, evitando a dispersão, a espetacularização e ações intempestivas, avance em seu trabalho até agora relativamente bem-sucedido de deixar ainda mais evidentes os responsáveis pela tragédia da pandemia que vivemos hoje no país.