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Procura-se um emprego que não tenha reunião

O que mais proliferou nessa pandemia foi o vírus da reunião (Foto: Chris Montgomery/Unsplash)

O que mais proliferou nessa pandemia não foi o vírus da Covid-19, mas o da reunião. Putaquepariu. É entrar no WhatsApp e tem chamado pra reunião, abrir o e-mail e reunião, ligar pra alguém e mais uma e quando o final de semana deixa folgar vem a ideia: uma reuniãozinha on-line com os amigos (ou no botequim se for negacionista de plantão).

Aquela reunião de sempre, pra abrir a semana ou fazer o balanço no final continua existindo. Só que a troca rápida no corredor virou reunião, o cafezinho de meio de expediente agora se chama reunião e o mais interessante é que tem reunião pra preparar pra reunião (antes era uma passadinha na sua mesa pra trocar uma ideia).

Algumas profissões são privilegiadas, bora fazer um levantamento e são só algumas, começando pelo topo:

Professor: tem reunião de colegiado no início e no final de semestre, reunião de pais duas vezes por ano, reunião pedagógica toda semana, reunião dos colegas da mesma área todo mês, reunião com coordenação sempre que dá na telha e faz reunião com o sindicato pra reclamar que tá tendo muita reunião.

Jornalista: reunião de pauta é diária, pra afinar o ponto na reunião com o editor e marcar uma reunião com a fonte (on-line) ou com um grupo pra fazer o “povo fala” (quando um monte de gente dá pitaco num assunto).

Publicitário: tem reunião com o cliente, com a criação, com o planejamento, com o atendimento, depois com a criação de novo, e com o veículo, com a outra mídia, com a criação, com o cliente, com a agência inteira e com cliente de novo, de noite, porque ele acha que tá pagando pela sua hora de descanso. (Isso vale em quase tudo, tá foda em qualquer lugar, mas vamos achar algum que… ah, claro:)

Pedreiro: esse não tem reunião! Pronto: chega na hora marcada, sai na hora marcada, faz o que tem que fazer e pronto. Só tem… putz… tem reunião pra receber orientação, e depois no café… E nem tem jeito de fugir do canto apertado e sem ventilação onde todo mundo troca de roupa. Bora voltar pro on-line:

Artista: todo tipo de artista tá livre de reunião, desde que não tenha que agendar exposição, conversar com a editora do livro, organizar pauta do teatro, preparar apresentação do filme, planejar gravação no estúdio ou até organizar a galera pra grafitar o muro.

Coach: não.

Sem dúvidas que a gente, nós, brasileiros, adoramos nos reunir pra jogar bola ou conversa fora, tomar cerveja, comer besteiras, bater papo, cantar parabéns ou chorar defunto, mas nada disso tá possível

Médico: cara, todo mundo que tá na linha de frente tem que se reunir com alguém e com grande chance de estar contaminado. Pulemos.

Psicólogo: se não encontrar com alguém é Narciso. Próximo.

Programador: boa! Esse pode ficar o dia todo (ou a noite toda, mais comum) na frente do computador e não dar satisfação pra ninguém pelo tempo de programar o jogo/site/aplicativo/coisa. Depois é só explicar numa reunião rápida o que fez… Se bem que antes foram algumas reuniões dizendo o que ele tinha que fazer.

Atendente de telemarketing:

Operador de pare e siga: pode olhar, tem isso na lista de profissões, pelo menos no catálogo da Caixa Econômica Federal (foi o que disse um amigo que trabalha lá). Se o cara virar a plaquinha somente no siga, não tem reunião, galera passa direto (vou arrumar uma plaquinha dessas pra mim). Mas poderiam dizer que ele estaria exercendo metade da função e sabemos as consequências do pare.

Motoboy: tem a origem da mercadoria, o destino e ainda o patrão, porque todo motoboy hoje trabalha pra alguma empresa que não age como patrão pra pagar e cobra como se fosse.

Vendedor de cachorro quente que só entrega no delivery: pelo menos com o entregador ele se reúne. E com o professor de inglês, porque escreve delivery no cartaz.

Agricultor: isso! Semeia, rega e colhe sem ter reunião! Nem tem WhatsApp, uma maravilha. Vive no ritmo das estações, acompanha o ciclo solar e depois deixa o excedente da produção na porteira. O comerciante pega e deixa o resultado da venda anterior na caixinha do lado da porteira. Que maravilha! ‘inda sobra um trago de pinga pro final do dia.

Não fosse o agronegócio que reúne um monte de coisas químicas no nosso sistema digestivo. E vem dele, entre outros setores, esse novo trauma da reunião em pop-up: olhou pra uma tela e pimba, tá lá o chefe perguntando se a família vai bem. Hipócrita.

Sem dúvidas que a gente, nós, brasileiros, adoramos nos reunir pra jogar bola ou conversa fora, tomar cerveja, comer besteiras, bater papo, cantar parabéns ou chorar defunto, mas nada disso tá possível (pra quem tem consciência, o resto é o resto).

Esta semana a Austrália cancelou o Grande Prêmio de Fórmula 1 deste ano. Em 2020, foi lá que toda a temporada foi suspensa, logo no início, por conta da Covid-19 (China é ali pertinho, né?). Seria um retorno grandioso em um país que, por conta das medidas sensatas que foram tomadas, já recobrou o ritmo de vida, sem casos de contágio. Uma reunião maravilhosa mais de um ano e meio depois da separação. Só que a corrida que antecede a da Austrália é a do Brasil (sim,  segue no calendário e os ingressos estão esgotados!).

Taí: fiscal de pista no GP da Austrália. Emprego perfeito, porque não tem corrida e, lógico, não tem reunião. Sensacional! Isso em Melbourne, cidade bonita. E pensar que quem proporcionou o emprego ideal foi o presidente da rachadinha no país do alto índice de desemprego e com mortes a dar com o pau por conta de Covid. Os torcedores australianos, frustrados em 2020 porque já estavam in loco pra ver corrida quando o campeonato foi suspenso, agora sentem o mesmo drama e por um motivo diferente: o vírus brasileiro.

Pronto, missão cumprida, profissão descoberta. E quem diria que a causa seria a mesma da proliferação de reuniões.