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A ilusão de moderar o que não pode ser moderado

Ciro Nogueira toma posse como novo chefe da Casa Civil (Foto: Isac Nóbrega/PR)

O anúncio do senador Ciro Nogueira (Progressistas) como novo chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, consolidando a articulação entre o presidente e o “Centrão”, foi suficiente para reavivar uma narrativa corrente entre determinados setores. Segundo eles, a chegada de “políticos profissionais” como Nogueira ao coração do governo teria um lado positivo diante da atual conjuntura, na medida em que eles ajudariam a conter os arroubos autoritários de Bolsonaro contra os demais poderes da República.

A vã ilusão não durou muito tempo. Poucas horas depois do anúncio, o presidente aproveitou a sua live para mais uma vez espalhar fake news sobre o processo eleitoral, atacar as urnas eletrônicas e ofender ministros do STF, em especial Luis Roberto Barroso, atual presidente do TSE. No último domingo, dia 1º de agosto, em discurso direcionado aos manifestantes que foram às ruas defender o voto impresso, Bolsonaro deu sequência às costumeiras diatribes contra as instituições em discurso no qual afirmou que “sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição”.

Este episódio foi apenas mais um capítulo de uma sequência que se repete, pelo menos, desde 2018, marcada pela crença ingênua, quando não cínica, de que é possível moderar Bolsonaro. Vários já embarcaram nela. A direita liberal que o apoiou naquele processo eleitoral –como o atual governador de São Paulo, João Dória – o fez acreditando que seria possível controlá-lo. Muitos dos liberais que assumiram cargos no governo – como, por exemplo, os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro – também acreditaram que conseguiriam este objetivo. Paulo Guedes, em meio aos atropelos diários, continua confiando que um dia terá êxito…

Várias figuras importantes das Forças Armadas e do Judiciário caíram na mesma crença ingênua. O general Santos Cruz, que foi ministro de Bolsonaro, talvez seja o exemplar mais destacado do primeiro grupo. Quanto ao Judiciário, iniciativas como o “pacto entre os poderes” proposto em 2019 pelo então presidente do STF, Dias Toffoli e a reunião de semanas atrás do atual presidente do tribunal Luiz Fux com Bolsonaro para fixar as “bases sólidas da democracia brasileira” fazem parte do pacote ilusionista que se ancora na tese segundo a qual com uma boa conversa, o presidente será definitivamente controlado.

É claro que nesses movimentos de adesão explícita ao governo ou de silêncio cúmplice por parte de autoridades da república diante dos ataques do presidente não há apenas ingenuidade. Outros interesses materiais e simbólicos também entram na equação. Mas, de fato, há uma crença compartilhada por muitos de que Bolsonaro pode ser moderado. Esses grupos parecem acreditar na ideia de que argumentos convincentes e racionais serão suficientes para convencer o presidente a mudar de perspectiva e parar de atacar as instituições democráticas do país.

O que muitos parecem não compreender – ou preferem fechar os olhos – é que Bolsonaro não será moderado, pois não se pode domesticar o indomesticável

O que muitos parecem não compreender – ou preferem fechar os olhos – é que Bolsonaro não será moderado, pois não se pode domesticar o indomesticável. O atual chefe do Executivo sempre foi convicta e abertamente autoritário e, justiça seja feita a ele, nunca escondeu de ninguém suas ideias. O Bolsonaro que grita contra as instituições como presidente da República é o mesmo que como deputado elogiava a ditadura de 1964, homenageava torturadores como Carlos Brilhante Ustra e defendia o fuzilamento de opositores. Seria estranho pensar que justamente quando assumisse o cargo mais alto da República, com condições mais evidentes para levar adiante seu projeto autocrata, Bolsonaro subitamente se tornasse um democrata convicto e passasse a louvar as instituições democráticas das quais sempre se colocou em posição contrária.

O que muitos parecem não perceber é que se controlar Bolsonaro é uma tarefa gigantesca, o que dirá das forças que o presidente tem insuflado com seus discursos de ataque ao processo eleitoral e às instituições democráticas. Na conclusão de seu livro Os engenheiros do caos, Giuliano da Empoli faz um alerta que deveria fazer soar os alarmes daqueles preocupados com os rumos da conjuntura atual. “Quando os líderes atuais saírem de moda”, diz o autor, “é pouco provável que os eleitores, acostumados às drogas fortes do nacional-populismo, peçam de novo a camomila dos partidos tradicionais. Sua demanda será por algo novo e talvez ainda mais forte”.

Convido aos leitores que não têm acompanhado a seguirem as notícias sobre o que está ocorrendo nos Estados Unidos em relação às investigações do ataque ao Capitólio ocorrido em 6 de janeiro por manifestantes que tentaram impedir a nomeação de Joe Biden como novo presidente do país. Esse episódio nos ajuda a vislumbrar o que pode acontecer aqui se seguirmos no rumo atual, de aceitação passiva da deslegitimação do processo eleitoral e de ataques às instituições realizados por Bolsonaro. Se os relatos referentes àquela invasão já eram assustadores nos dias seguintes ao acontecimento, os depoimentos de policiais que tentaram resistir e enfrentar a multidão enfurecida dados a um comitê especial da Câmara dos Representantes, são ainda mais chocantes e mostram com total clareza até que ponto pode chegar a violência dos setores que Trump ajudou a criar com seus discursos contrários ao reconhecimento dos resultados eleitorais.

A decisão recente dos ministros do TSE de propor um inquérito administrativo para investigar o uso da máquina pública por parte de Bolsonaro para a deslegitimação do processo eleitoral, bem como a inclusão do presidente no inquérito das fake news que já tramita no STF, em decorrência de suas frequentes declarações infundadas de fraudes nas urnas eletrônicas, são passos fundamentais para tentar conter a escalada autoritária de Bolsonaro e seus apoiadores. Na ausência de movimentos efetivos por parte Procuradoria-Geral da República e do atual presidente da Câmara dos Deputados, hoje subservientes ao Chefe do Executivo, ações concretas como estas propostas pelo TSE sinalizam a percepção de que a moderação de Bolsonaro somente poderá ser contida com iniciativas institucionais efetivas que resguardem a democracia no país.