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Amarcord

Tupi e Tupynambás voltam a se enfrentar nessa quarta-feira (Foto: Leonardo Costa)

 Eu me recordo do primeiro Tupi x Tupynambás. Faz muito tempo, mais de um terço de século, e como em Macondo as coisas eram tão recentes que era preciso apontar com os dedos: desça a rua que é calçadão, pegue a avenida da feira até o estádio com tons vermelhos. Aconteceu, no entanto, que um dos times era preto e branco. E isso foi decisivo. Se usasse o critério do futebol apresentado para decidir, estaria até hoje sem saber para quem torcer: foi um 0 x 0 medonho, daqueles de fazer corar de vergonha os jogadores, técnicos e torcedores. Lembro-me de muitos chutes a esmo e de nenhuma defesa dos goleiros.

O último Tupi x Tupynambás foi um prenúncio. A Peste ainda não havia chegado, mas a diretoria do Tupi, com a complacência da Prefeitura, dona do Estádio, tinha se antecipado e, estranhamente, isolado toda a arquibancada em frente às cabines de rádio, para a torcida vip. Colocou os adeptos do Tupynambás nos melhores lugares e empurrou os torcedores do Tupi para atrás de um dos gols (o do Dom Orione, do campo da ex-curva, hoje reta, do Lacet). Rancor! (“O esporte é uma fonte inesgotável de rancor”, dizia George Orwell). Como pode tratar dessa forma a única razão daquele estádio existir? Não fosse a resiliência dos 1.627 carijós o Mário Helênio já teria sido oficialmente declarado um “elefante branco” ou se transformado em caixa d’água, como chegou a querer um candidato a prefeito.

O próximo Tupi x Tupynambás é na quarta-feira (11 de agosto). E vai passar quase desapercebido. Nos pontos de ônibus, nas filas das lotéricas, nos grupos de WhatsApp dos amigos vai se falar prioritariamente e tão somente do futebol carioca. Para complicar as coisas, o gramado do Mário Helênio está horrível, o dia e o horário são bastante ingratos, não há permissão de público e os times estão jogando, de fato e de direito, futebol de segunda divisão.

Para piorar, no pós-jogo não terá boteco, para o caso de uma vitória. Eu me recordo do Braseiro (Avenida Rio Branco, em frente à Casa de Itália) e do Bar Esperança, o último que fechava (Rio Branco com Oswaldo Aranha), mas os pós-jogos eram no Bar do Zé Asinha (Rio Branco, depois do Mergulhão, próximo ao estádio do Sport, onde as grandes partidas aconteciam antes da construção do estádio municipal). Lá, depois de algumas cervejas e muitos pedaços de frango, tínhamos as ideias mais loucas. Como no dia que decidimos “dar uma sova” no juiz que nos roubou, partida contra o Villa Nova, num sábado de Carnaval. O plano era simples (cercar o “ladrão” a caminho da Rodoviária – na época onde hoje os bombeiros esperam os avisos de incêndio) mas nunca chegou a ser executado, simplesmente porque ninguém topou largar a cerveja para ir bater no juiz.   

E não terá cinema, para se refugiar em caso de derrota. Eu me recordo do Cine Paraíso (na Rua São Mateus, que exibia festival de cinema suíço e distribuía brindes, catálogos e cartazes de filmes, para os mais assíduos) e do Anfiteatro João Carriço (no Parque Halfeld, com ciclos inteiros de Glauber Rocha, John Ford e Fassbinder, e onde a liberdade era tão grande que podia fumar durante as sessões). Mas, o pós-jogo com derrota era no Cine Festival (anexo ao Teatro Central). Sala pequena, 48 lugares, onde era possível assistir filmes sozinho (e o projecionista perguntava: “Quer que passa trilher?”) e onde revi “Amarcord” (o eu me lembro de Fellini).

É dessa solidão do Cine Festival que vou lembrar-me na quarta-feira. Dia de mais um Tupi x Tupynambás.