Colunas

Em JF, cultura é lei

(Foto: Carlos Mendonça/PJF)

Esta semana foi anunciada a organização do Programa Cultural Murilo Mendes (para os íntimos, Lei Murilo Mendes; aqui vai ser LMM, igual BFF). Serão cinco editais e um orçamento de mais de dois milhões de reais. Para não ficar parecendo assessoria da Funalfa, os integrados vão enfrentar os apocalípticos depois. Primeiro, melhor entender o que é uma Lei de Incentivo à Cultura.

Aliás, o que é cultura?

Tem um texto do Roberto DaMatta que pergunta no título: Você tem cultura? Textículo fácil de achar na internet, rápido de ler e bem claro: cultura é muito mais do que ouvir pianos por todos os lados; ou tambores. Tudo o que nos faz gente em sociedade tem símbolos culturais. Você pode não gostar do Baile de Favela, mas vai negar a medalha de prata da Rebeca Andrade? Isso é Brasil!

Tem também essa troca de fora, dos filmes americanos às religiões de matriz africana, passando pelo sotaque de cada região e pelo jeito de fazer, comer e falar mandioca. Cultura traz essa mistura, essa variação de pê-efe que vai do arroz com feijão à macarronada, sem perder a saladinha com um fio de legítimo azeite português (dizem).

Uma Lei de Incentivo à Cultura, como consta aqui na de Juiz de Fora, tem que lidar com tudo isso. Lá no texto original, de 1994, tem desde incentivos à formação artística (cursos, bolsas) até o que se tornou mais comum: produção de bens culturais (livros, filmes, discos…). A proposta do ex-vereador Vanderlei Tomaz ainda buscava valorizar o patrimônio e (agora vem o busílis) “dar apoio a outras atividades consideradas de relevante interesse cultural pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage — Funalfa”.

Quem seleciona os projetos da LMM é a Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (Comic), muitas vezes xingada por quem não é aprovado. Nem sempre sem razão, artistas são passionais, mas vale olhar a roubada que é trabalhar numa mesa dessas.

A Comic costuma ter dois problemas: orçamento limitado pra dividir entre os projetos e qualidade dos projetos nem sempre equivalente às reais demandas culturais da cidade. Nenhum dos dois ela vai resolver, mas pode ajudar a diagnosticar.

O primeiro depende do Fumic, o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura, em que fica a grana que vai virar projetos culturais. Por muitos anos, a LMM educou os artistas locais pra elaborarem seus projetos e se inscreverem no edital a cada ano. Recentemente foram dois anos seguidos (2017 e 2018) sem LMM (e teve gente de dentro da Funalfa dizendo que se todos os inadimplentes tivessem devolvido o dinheiro, isso não aconteceria; e se tivessem cumprido as propostas, qual seria a desculpa?).

O segundo problema na Comic, a falta de projetos que abarquem toda a cidade, já tem mais desdobramentos. O fato: tem cultura na cidade toda. Pode não ser do jeito que você gosta, mas tem.

A Comic, é bom explicar, é composta por representantes de todas as áreas, mas não de todas as regiões da cidade, não tem jeito. E ainda convida pessoas com conhecimento específico em determinadas áreas. Ponto pra Comic.

Só que um dos gargalos (sempre existem, basta sanar um que surge outro) da LMM é que precisa de um projeto. Por mais simples que sejam o edital e o formato, tem gente com boas ideias e sem jeito pra escrever a proposta. Por falta de capacidade argumentativa, de formação profissional, de noção de burocracia, não importa: esse entrave chega à Comic e ela não sabe (muitas vezes, porque na cultura da cidade, quanto mais as pessoas se conhecem, melhor) quem tá por trás da proposta. Resultado: ideias maravilhosas num projeto mal elaborado.

Se todos os projetos estivessem em pé de igualdade na mesa seria ótimo, mas não estão. Como resolver isso? Um caminho é por tentativa e erro, ou seja, edital anual, como foi por muito tempo e espera-se que volte a ser, mantendo ativo esse ciclo de investimento cultural público. Outro é mostrar pra cada grupo o que pode ser feito, seja por cursos “Como fazer seu projeto pra LMM!”, plantão tira-dúvidas ou separando por categorias, incluindo propostas, tirando do bolo de outras já “profissionais”.

Neste ano, com cinco editais, esse gargalo parece ter um caminho de solução. Pode dar tudo certo como pode dar tudo errado, o importante é tentar e pensar que vamos ter cultura ligada ao poder público nesse país que tanto carece de pianos, tambores, palavras e, sobretudo, escuta.

Outros gargalos a LMM precisa resolver com o tempo (por exemplo, diminuir percentual da contrapartida não aumenta o acesso público de livros, que poderiam ser distribuídos pra escolas municipais pela Secretaria de Educação ao invés de doados a quem poderia comprar nas livrarias locais), mas parece que vamos ter acertos este ano.

(P.S.: Este que vos escreve já esteve em todos os lugares citados: projeto rejeitado, aceito, parecerista, Comic… menos na inadimplência, graças ao bom cartesianismo moralizado no berço.)