Meio sem graça, o vencedor, ao comemorar a medalha de ouro, diz que não consegue chorar, pois está muito feliz. A autêntica declaração vem logo após ele ter recebido de um repórter um celular com o vídeo de seu filho. A intenção era clara. A reportagem queria choro, lágrimas, drama. Não bastava a emoção genuína da vitória. Era preciso mais para que o texto fechasse bem. Isaquias percebeu que não conseguiria cumprir o “ritual” e, de forma um tanto constrangida, acabou se justificando.
A cena envolvendo o ídolo da canoagem é apenas um recorte da cobertura jornalística brasileira das Olimpíadas de Tóquio. De repente, a tela da TV foi invadida por transmissões, reportagens e narrações que variavam entre o piegas e o ufanismo barato e fora do tom. Por óbvio, há exceções, onde as informações e, mesmo a torcida, caminharam de forma leve dentro de um louvável equilíbrio. Os telespectadores sabem quem esteve em cada lado da balança.
O comportamento dos comentaristas, em sua maioria, ex-atletas, também chamou atenção. Em nenhum momento, a arbitragem era questionada quando os confrontos não envolviam o Brasil. Mas bastava ter brasileiros na disputa para uma chuva de “fomos prejudicados”. Não estou aqui dizendo que as decisões foram certas ou erradas, até porque nem das regras de futebol estou entendendo mais. A questão é: se os erros aconteceram, foram apenas contra o Brasil?
Além disso, as análises furadas foram outra tônica das transmissões. “Os jogadores de vôlei da Rússia não sabem jogar atrás no placar. Eles perdem o controle.” Sério? Como um time desse conseguiria virar um 20 a 12 contra? Previsões similares aconteceram nos esportes de luta e de quadra. No vôlei de praia, até a declaração de Alisson, de que o Brasil está ficando para trás em termos de preparação, ninguém havia abordado o assunto. No skate, a impressão inicial era de que não teríamos adversários. Éramos candidatíssimos a todas as medalhas em todas as categorias. No futebol feminino, poucos questionamentos desde a convocação.
Mais uma vez, o jornalismo de pesos, medidas e consultas clínicas também teve um indesejável protagonismo. “Qual o tamanho dessa conquista?”, “Qual o peso dessa derrota?”, “Como você está se sentindo?”. Qualquer coisa diferente disso caia na cena da família e da descrição do choro, como das lágrimas de Ana Marcela, “que deixaram mais salgada a baía de Tóquio”. No outro extremo,por vezes o ufanismo cego foi transformado em frustração. Pouquíssimas análises críticas sobre o desempenho em determinada disputa foram feitas durante o confronto, apenas torcida, deboche ou tentativas de nos enfiar goela abaixo bordões bastante questionáveis.
Quase nada foi abordado dos atletas que não eram favoritos e não chegaram ao pódio. Quase nada sobre outras delegações, investimentos, histórias e dificuldades dos países. As transmissões esportivas foram focadas na torcida e no entretenimento. A informação de qualidade não foi extinta por completo, mas engolida por essa nova tendência. Não fosse a fascinante Simone Biles, o lado humano do atleta seria ainda mais invisibilizado, assim como foram apenas discretamente comentados os programas responsáveis pela formação de novos ídolos e o corte de políticas públicas de apoio ao esporte.
O jornalismo esportivo pode ser bem mais que isso. É compreensível que se busque uma postura leve, com transmissões envolvendo a torcida pessoal de quem está contando a história, mas ultimamente tem corrido o risco de patinar entre o melodrama e o patriotismo kitsch em competições do porte de uma Olimpíada. Já no dia a dia, a busca pelo tom descontraído por vezes acaba transformando apresentadores, repórteres, narradores e afins em verdadeiras caricaturas de mau gosto, que tratam os telespectadores como plateias desprovidas de senso crítico. A quem isto interessa?