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O jogo perdido e o jiló amargo da existência sob a pandemia

O Tupi x Tupynambás de quarta-feira, foi, realmente, como dito, um jogo perdido no tempo. (Foto: Leonardo Costa)

Tupi e Tupynambás jogaram, então, pela vez de número 283 na História. Praticamente ninguém viu e passará para as calendas como um jogo perdido no tempo. Tudo, na verdade, parece perdido no tempo, como se o que nos resta seja somente, como diz Xico Sá, ruminar o jiló amargo da existência, não considerando, a vero, a possibilidade de que haverá vida normal pós-pandemia.

– Realmente há males que vem para o mal.

Mas – é bom que fique registrado – o jogo aconteceu. Aos poucos interessados só foi possível acompanhar pela plataforma da Federação Mineira, com interrupções por conta da queda do sinal. No ápice da transmissão, o gol do Tupi, pouco antes do intervalo, apenas oito pessoas estavam conectadas.

E a partir daí, como se a vitória fosse uma realidade consumada, e como se numa tarde de quarta-feira, uma névoa atípica tivesse invadido o péssimo gramado do Estádio Mário Helênio e nos remetido a outros jogos, outros assuntos, outros pensamentos.

Na falta de outros jogos, restou o cinema, dois filmes de Clint Eastwood. Em ”Invictus” é famosa a cena que Nelson Mandela/Morgan Freeman chama o capitão do time de rúgbi da África do Sul para uma conversa. Ele fala da qualidade do chá inglês e não do colonialismo, pergunta sobre o jogador negro da equipe, e não sobre racismo. Quando sai do encontro (não mostrado mais a partir de então), o capitão, branco, é questionado pela esposa: “O que o presidente queria?”, e ele responde, meio incrédulo, como se a ficha não tivesse caído, como se tivesse recebido uma missão impossível: “Ele quer que a gente ganhe o campeonato”.

Mas “Invictus” é um filme sobre a imortalidade da alma, através do esporte. Diferente de “À Meia-Noite, no Jardim do Bem e do Mal”, que é sobre a dubiedade do ser humano. O personagem de Kevin Spacey é amoral e pouco chegado a qualquer vestígio de ética, mas a lembrança só veio mesmo porque um jogo de futebol é o campo propício para o bem e o mal, sujeito a glórias, mas também a derrotas indeléveis.

O Tupi x Tupynambás de quarta-feira, no entanto, não teve mesmo essa carga dramática – foi, realmente, como dito, um jogo perdido no tempo. Resta agora esperar uma nova oportunidade, quando a Peste nos deixar, de preferência sem ninguém mais a menos.

 “Nenhum a Menos” é outro filme, esse da quinta geração do cinema chinês. Nele, numa aldeia dos confins da China, uma professora recebe monetariamente por alunos presentes na sala de aula e empreende insanas jornadas atrás daqueles que não aparecem na escola.

No futebol e na vida não é tão simples assim. Não é possível ir atrás, recuperar jogos perdidos e nem o tempo perdido.