Meio Ambiente

Cesama vai devolver operação de Chapéu d’Uvas para União

Embaraços legais e falta de estrutura são apontados como problemas para Cesama seguir à frente da barragem (Foto: Cesama)

A Cesama vai transferir a operação e manutenção da barragem de Chapéu d’Uvas para a União. A decisão foi tomada no último dia 13 de agosto, por unanimidade, durante reunião da diretoria executiva da companhia. A proposta foi relatada pelo diretor de Desenvolvimento e Expansão, Marcelo Mello do Amaral, e prevê o encaminhando de um ofício com a deliberação para a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), do Ministério da Economia, com cópia para o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Em outra frente, tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um projeto de lei para a proteção da bacia de Chapéu D’Uvas, de autoria do deputado estadual Betão (PT).

A definição acontece cinco meses após o seminário “A Importância Estratégica da Gestão da Represa de Chapéu d’Uvas para a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul”, realizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica (CBH) dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna. Na ocasião, a prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT), posicionou-se no sentido de manter toda estrutura sob responsabilidade da Cesama.

“Chapéu d’Uvas tem um papel imenso e a nossa responsabilidade é muito grande. Gostaria, então, de aqui reforçar o nosso compromisso com a guarda, manutenção e operação das unidades da represa, atividades que hoje já são feitas informalmente pela Cesama. O nosso intuito é formalizar e assumir essa posição”, afirmou durante sua explanação no seminário.

A Cesama informou que a transferência para a União passou a ser sua nova posição “em função de ação do Ministério Público de Santos Dumont, que exige que a companhia atue na represa, que se localiza nos municípios de Santos Dumont, Ewbank da Câmara e Antônio Carlos. Entende o MP de Santos Dumont que a Cesama é dona da barragem e do lago. O real proprietário é a União. A Cesama só atua no município de Juiz de Fora.”

A Agência Nacional de Águas (ANA) tem entendimento um pouco diverso sobre a questão, mas, ao fim e ao cabo, considera a Cesama responsável pela barragem. No caso específico de Chapéu d’Uvas, segundo a ANA, não existe entidade detentora de outorga da barragem. Há, sim, a outorga de direito de uso de recursos hídricos, conforme resolução nº 773, de 20 de julho de 2015, com duração de 35 anos.

Acontece que, na interpretação da agência, aquele que explora a barragem e o reservatório também é responsável por sua segurança. O entendimento tem como base a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12334/2010), para quem a responsabilidade é da “pessoa física ou jurídica que detenha outorga, licença, registro, concessão, autorização ou outro ato que lhe confira direito de operação da barragem e do respectivo reservatório”.

A Cesama, por sua vez, citando a mesma legislação, deixa claro que sua postura como operadora da barragem, embora detenha apenas outorga de uso da água, se deve à “ausência da Secretaria de Patrimônio da União, que representa o proprietário da barragem (governo federal)”. Dessa forma, a companhia confirma operar a Barragem de Chapéu d’Uvas, mantendo “conservados seus dispositivos de operação, bem como monitora a barragem e efetua todo o preconizado no plano de segurança de barragens”.

Em seu trabalho de mestrado, “Diagnóstico Ambiental e Ordenamento Territorial – instrumentos para a gestão da Bacia de Contribuição da Represa de Chapéu D’Uvas”, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Pedro José de Oliveira Machado, afirma que, em 2001, a Cesama assumiu “as funções de manutenção, operação, vigilância e guarda da barragem, de acordo com o Termo de Cooperação Técnica assinado com o Ministério do Meio Ambiente”.

Consórcio de municípios do entorno seria melhor caminho

O Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes dos Rios Preto e Paraibuna (CBH Preto e Paraibuna) lançou a proposta de criação de um consórcio intermunicipal para a gestão compartilhada da Represa de Chapéu D’Uvas no primeiro semestre de 2019. Na ocasião, os prefeitos de Ewbank da Câmara e Santos Dumont, municípios onde se localiza a represa, de Antônio Carlos, onde fica a nascente, e de Juiz de Fora, principal beneficiária dos recursos hídricos, apoiaram a ideia.

Os interesses dos municípios envolviam a busca por um meio termo que freasse a ocupação territorial desordenada do entorno da represa, preservasse o manancial e possibilitasse o desenvolvimento econômico e turístico da área. Embora tenha sido proposta, na ocasião, a criação de grupo de trabalho para estudos legais, técnicos e científicos para viabilizar o consórcio, as tratativas avançaram pouco.

Com a instituição a partir de 2020 de uma nova Política Nacional de Segurança de Barragens, em decorrência das tragédias de Mariana e Brumadinho, as obrigações em relação às barragens aumentaram, bem como os custos para operação e manutenção. Além disso, no caso de Chapéu d’Uvas, a ocupação desordenada do seu entorno requer efetiva fiscalização, o que, por sua extensão, acaba demandando muitos recursos.

Proposta na Assembleia quer criar sistema de proteção do manancial

No início deste mês, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) iniciou a tramitação de um projeto de lei para a proteção da bacia de contribuição da represa de Chapéu D’Uvas. A proposta é de autoria do deputado estadual Betão (PT) e, no momento, está na primeira fase de análise pela Comissão de Constituição e Justiça, devendo passar ainda pelas comissões de Minas e Energia e de Meio Ambiente. O projeto vem como uma alternativa ao imbróglio envolvendo o manancial.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o deputado Betão explicou que o projeto “foi criado com o objetivo de estabelecer uma legislação específica e, é importante falar, inédita em Minas, que realmente proteja as represas e os mananciais dos efeitos da ocupação desordenada e da contaminação de represas como tem ocorrido, por exemplo, em Juiz de Fora e outros municípios que margeiam a Chapéu D’Uvas”.

Betão: “frear a ocupação desordenada” (Foto: ALMG)

O Projeto de Lei 3.081/2021 traz como finalidades, por exemplo, “estabelecer um sistema de gestão permanente dos usos do solo e dos recursos hídricos na bacia” e “manter a integridade das Áreas de Preservação Permanente, dos remanescentes de Mata Atlântica e Unidades de Conservação de forma a garantir a proteção, conservação, recuperação e preservação da vegetação e da diversidade biológica natural”.

Nesse último ponto, reside uma das principais preocupações entre os ambientalistas, considerando que toda a margem da represa de Chapéu D’Uvas deveria ser formada por uma mata ciliar, que funciona como uma proteção e impede que poluentes cheguem à água da represa. Uma das formas que o projeto de lei aponta para cumprir com esses objetivos é o zoneamento ambiental da bacia.

“Às margens dessa represa, a cada dia tem avançado o crescimento de empreendimentos e de novas moradias. Algumas construções são de alta complexidade, e o resultado é que, dos 48% de água que o Rio Paraibuna tem ofertado para Juiz de Fora, boa parte fica contaminada em função do despejo de dejetos na represa”, diz o autor do projeto.

Para ele, “o sistema de proteção proposto no projeto de lei vai ajudar frear o processo de ocupação desordenada às margens da represa, beneficiando e preservando não só Juiz de Fora, mas abrangendo territórios dos municípios de Antônio Carlos, Santos Dumont e Ewbank da Câmara.”

Conforme destacado por Betão, a grande preocupação que o levou a fazer a proposta está relacionada ao potencial de abastecimento da represa e aos impactos na qualidade da água causados pela ocupação desordenada. “Com a crise hídrica que a gente está vivendo hoje – essa é a maior dos últimos 91 anos -, é urgente ter uma política que proteja os mananciais e que evite a ocupação desordenada e a falta de planejamento quanto ao uso dos recursos hídricos. Isso é uma forma de garantir que as futuras gerações tenham acesso à água potável, e que o manancial fique preservado.”

O deputado ressalta, ainda, que mesmo que seu mandato tenha atuado para regulamentação de ocupações no Estado, o caso de Chapéu D’Uvas se difere por haver “desrespeito e despejo de esgoto no local o que, a longo e curto prazo, vai matar o manancial”. Na sua avaliação, a lei, se aprovada, ajudará a controlar e preservar a represa.

Para a proposta, o deputado tem realizado diálogos com a coordenação do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna, além de articulações com os demais parlamentares do PT em Juiz de Fora. De acordo com o Betão, o objetivo é que o projeto seja votado “rapidamente” e “logo se torne lei imediatamente”.

Audiência vai discutir o assunto na Câmara de Juiz de Fora

Já na Câmara de Juiz de Fora, a vereadora Cida Oliveira (PT) encaminhou pedido de audiência pública à Mesa Diretora, em caráter de urgência, para discutir a Proteção da Bacia de Contribuição da Represa de Chapéu D”Uvas. Ela alega se tratar de importante manancial de abastecimento público de Juiz de Fora, constituindo um dos princípios do saneamento básico.

Entre os convidados para audiência, a vereadora sugere, além de professores universitários com trabalhos sobre o assunto, o diretor do  Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marcelo Fonseca; o Superintendente Regional de Estado de Meio Ambiente, Leonardo Sorbliny Schuchter; os prefeitos de Ewbank da Câmara e Santos Dumont, José Maria Novato e Carlos Alberto de Azevedo (Betinho); a prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão; o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna, Wilson Acácio; empreendedores do “Balneário Reservas do Lago Chapéu d’ Uvas”; o diretor-presidente da Cesama, Júlio Teixeira; e o deputado Betão.

Um manancial de problemas

O imbróglio envolvendo a Represa de Chapéu d’Uvas, por tamanho e profundidade, talvez possa ser comparado ao seu reservatório. Seus primórdios foram detalhados pelo professor de geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Pedro José de Oliveira Machado, em seu trabalho sobre a barragem. Para ele, a história mostra a necessidade de planejar ações visando à utilização consorciada da represa e sua bacia.

Já em 1929, um estudo da Sociedade Dolabela, Portela & Cia Ltda. para evitar os transbordamentos do Rio Paraibuna previa a construção de quatro barragens, a principal delas localizadas pouco acima da localidade de Chapéu D’Uvas. Mas foi com a enchente na véspera do Natal de 1940, com duração de 91 horas e 30 minutos e descarga de água de 245m³/s, muito superior à capacidade da calha do rio, na época calculada em 120m³/s, que a ideia da represa foi retomada.

Mas ao chegar a Juiz de Fora, o engenheiro Hildebrando de Araújo Góes, criador do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), optou por retificar o rio, de modo a comportar a descarga máxima de 340m³/s. A construção da Barragem de Chapéu D’Uvas seria apenas uma obra complementar. Poderia esperar.

Veio o ano de 1955 e com ele o déficit de energia elétrica em razão da estiagem. A vazão do Paraibuna chegou a 5,21m³/s. A Companhia Mineira de Eletricidade (CME) tem a barragem como parte da solução do problema e vai ao Presidente Juscelino Kubitschek cobrar sua execução. Em março de 1957, o presidente publica decreto nº 40.931, que declarava de utilidade pública para desapropriação uma área 6.170.100 metros quadrados necessária à bacia hidráulica da Barragem de Chapéu D’Uvas.

O projeto para construção da barragem é concluído em 1958, já com a planta prevendo a tomada de água para o abastecimento de Juiz de Fora, além de ampliar o potencial das usinas da CME. As obras começam, mas são paralisadas em 1963. Com o DNOS sem dinheiro, a questão da energia é resolvida pela Cemig, que estende suas linhas até Juiz de Fora.

Com a instalação da Siderúrgica Mendes Júnior em Juiz de Fora na década de 1970, o abastecimento de água para a retomada industrial da cidade faz renascer o interesse por Chapéu d’Uvas. As obras da barragem são reiniciadas em 1976. Sem recursos, com o problema nas desapropriações e a Mendes Júnior captando águas do Ribeirão da Estiva, o projeto volta a perder fôlego.

Com foco nas desapropriações, entre 1982 e 1983, a União publica decretos declarando de utilidade pública a área necessária à conclusão da barragem. Mas nada anda. A situação só mudaria completamente quase uma década depois.

Itamar Franco, que havia estagiado e trabalhado como topógrafo nas obras da Barragem de Chapéu d’Uvas, agora como vice-presidente no exercício da Presidência, baixa decreto em 1991 desapropriando 12 milhões metros quadrados de terras necessárias à bacia de acumulação da barragem, nos municípios de Santos Dumont, Ewbank da Câmara e Antônio Carlos.

Ao custo estimado de 100 milhões dólares, a Barragem de Chapéu D’Uvas é inaugurada em dezembro de 1994.

Um problema para Santos Dumont e Ewbank da Câmara?

Uma das empresas de engenharia que atuou na construção da barragem, em seu relatório conclusivo, apontou dois potenciais problemas da obra. Primeiro, a localização em outros municípios poderia gerar problemas de ordem institucional, ligados à ocupação e preservação. O segundo veio com a conclusão das obras e a formação da represa. A área de beleza paisagística criada despertaria o interesse imobiliário. As duas profecias se concretizaram.

Prefeitos de Ewbank da Câmara e Santos Dumont, ao longo dos anos, tornaram públicas suas insatisfações com a obra para beneficiar Juiz de Fora, restando apenas problemas para seus municípios. Ewbank da Câmara, por exemplo, pagou sozinha a manutenção de uma balsa por muitos anos para atender sua população rural. Santos Dumont até hoje não resolveu o problema de abastecimento do distrito reassentado de Dores do Paraibuna.

Os dois municípios, que detêm toda a margem do manancial, tiveram que remover distritos por conta da inundação. Em Ewbank, a Colônia de São Firmino foi reassentada na nova Colônia de São Firmino, com o aval da Prefeitura. As famílias foram indenizadas com casa de alvenaria, com luz elétrica, rede de água e esgoto, posto médico, igreja, escola e transporte coletivo.

Antigo distrito de Dores do Paraibuna, hoje submerso (Foto: Arquivo)

Já o processo relativo à desapropriação, indenização e reassentamento da população de Dores do Paraibuna foi mais longo e penoso. Embora o remanejamento dos moradores tenha ocorrido entre 1990 e 1991, o problema das indenizações só foi totalmente resolvido em 1996. A nova vila foi instalada numa área da Fazenda do Ipê. Até hoje os moradores enfrentavam problemas com a falta de infraestrutura do local. O que mais chama atenção, no entanto, é o fato de o vilarejo não contar justamente com abastecimento regular de água.

Recentemente, a Prefeitura de Ewbank da Câmara elevou o entorno da represa à condição de área de expansão urbana. Com isso, o local pode receber diversos modelos de empreendimentos. Para a secretária de Administração da Prefeitura, Maria Regina de Oliveira, as ações são uma tentativa de ordenamento da ocupação. A expectativa também é de movimentar a economia local.

Em Santos Dumont, da mesma forma, o entorno da represa próximo ao distrito de Dores do Paraibuna também ganhou status de área de expansão urbana. A Prefeitura informou, no entanto, que não foram autorizados empreendimentos no último ano.

O vereador Conrado Luciano (PT), que tenta uma parceria com a Cesama para resolver o problema do novo distrito de Dores Paraibuna, considera que, embora a barragem tenha causados problemas na sua implantação, a ideia de que o município não tem interesse no local precisa ser revista. Ele defende a exploração turística e ecológica da área.

Luciano conta que atualmente, nos finais de semana, é possível ver acampamentos e passeios ciclísticos na região do município próxima à represa. Há também ali quatro comunidades quilombolas. “A Represa de Chapéu d’Uvas é um importante lugar para Santos Dumont. Ali tem potenciais turísticos e de desenvolvimento econômico e ambiental. Este lugar precisa ser preservado e seus potenciais precisam ser desenvolvidos para proteger o meio ambiente e garantir que a população possa explorar suas belezas”.

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