O bolsonarismo foi às ruas. Os seguidores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aproveitaram o feriado prolongado de 7 de Setembro e foram em caravanas, por terra e pelo ar, para Brasília e São Paulo. A aposta e o custo foram altos, como foram altas as projeções de públicos. O número de manifestantes acabou não sendo o sonhado, mas talvez suficiente para sua escalada antidemocrática.
Com mais de uma centena de pessoas em cada um dos dois eventos por onde passou, Bolsonaro terá bons vídeos e boas imagens para irrigar as redes sociais dos seus apaixonados seguidores. Suas investidas golpistas sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) foram respaldadas com gritos de apoio, cartazes e faixas por milhares de pessoas com camisas da seleção brasileira de futebol país afora.
A estratégia de pregar para convertidos como forma de fidelizar a tropa e assustar o inimigo pode ter sido eficaz na sua primeira parte. O STF, principal foco dos ataques de Bolsonaro, prepara para essa quarta-feira resposta a ser dada pelo presidente da Corte, ministro Luiz Fux. O tom será o mesmo do usado por Bolsonaro para dizer que não cumprirá determinação proferida pelo ministro Alexandre de Moraes.
Primeiro em Brasília e depois em São Paulo, o presidente atacou Alexandre de Moraes de forma direta com ameaças. “Ou o chefe desse Poder (Luiz Fux) enquadra o seu (ministro) ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse pela manhã na Esplanada dos Ministérios. Mais tarde, na Avenida Paulista, retomou: “Ou Alexandre de Moraes se enquadra ou ele pede para sair”.
Enquanto espera a reação da Suprema Corte, Bolsonaro terá que lidar com sinais de debandada de possíveis aliados. O PSDB dos governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, tem reunião de emergência para avaliar o impeachment. PSD e MDB também criticaram as declarações golpistas do 7 de Setembro e podem desembarcar.
No que pode ter sido seu maior erro de cálculo, a ofensiva bolsonarista atingiu ninguém menos que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), com poder de segurar ou acolher os pedidos de impeachment. Ao mencionar uma possível reunião com as cúpulas dos poderes da República para essa quarta-feira, Bolsonaro acabou pisando em terreno sensível.
“Amanhã estarei no Conselho da República, juntamente com ministros, com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês, para mostrar para onde nós todos devemos ir”. Lira reagiu rapidamente e tratou a fala como bravata. Rodrigo Pacheco (DEM), presidente do Senado, negou a existência da agenda. Ministros correram para informar que se tratava de um equívoco do presidente.
Mas não parou por aí. Quando colocou em votação no plenário da Casa a proposta de voto impresso, mesmo após sua rejeição pela comissão especial, Lira ganhou do presidente o compromisso de encerrar aquela discussão independentemente do resultado. Mas, nessa terça-feira, a questão esteve na pauta dos apoiadores e no discurso de Bolsonaro.
Além do afastamento em relação aos líderes partidários e ao Congresso, Bolsonaro também se isola em relação aos demais eleitores. A ausência de menção à alta dos preços dos alimentos e dos combustíveis ou ainda às crises hídrica e energética revelou uma desconexão com aqueles que não são seus seguidores. Com desemprego em alta e sem reformas no horizonte, o presidente preferiu dobrar a aposta no isolamento.
Bolsonaro levou seus seguidores para as ruas atrás da tal foto que gostaria de ter em mãos para ameaçar, amedrontar e se manter. Para isso, a despeito de todas as mazelas enfrentadas atualmente pelos brasileiros, convenceu os adeptos do bolsonarismo que a principal crise do país é de ameaça à liberdade. Qual liberdade? A sua de fazer o que bem entender, inclusive golpear as instituições e a democracia.
Mas, afinal, Bolsonaro e os bolsonaristas cruzaram o tal Rubicão da democracia? Será capaz de fazê-lo com um grupo tão canhestro de pessoas? Esperar ou pagar para ver não é o mais recomendável para o momento. O receituário é conhecido e há remédios eficazes contra a tirania no Estado Democrático de Direito. É preciso administrá-los urgentemente, até como forma de conter as variantes.