A Fundação Palmares é uma instituição do governo federal criada em 22 de agosto de 1988 e vinculada à Secretaria de Cultura. A entidade atua junto à comunidade afro-brasileira, no fortalecimento e na preservação dos valores sociais, econômicos e culturais relacionados à formação da sociedade brasileira. Portanto, trata-se de uma instituição imprescindível para a afirmação da cidadania da população negra e na promoção de políticas públicas direcionadas às causas de seu interesse.
No último domingo passado, uma matéria do repórter Guilherme Belarmino, exclusiva do Fantástico, colocou o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo no centro de uma denúncia feita ao Ministério Público do Trabalho por assédio moral, discriminação e perseguição ideológica. Ao todo são dezesseis relatos de servidores e ex-funcionários contra Camargo, acusando uma rotina de perseguições, ameaças e humilhações, repleta de preconceitos e estereótipos típicos do repertório que compõe nossa sociedade racista. Causa repulsa por se tratar de ofensas vindas de uma figura que preside a principal instituição pública voltada para a defesa da causa negra e preservação de suas raízes, tal como releva o lema estampado no hall de entrada da sua sede junto à imagem de Zumbi: “Palmares, estandarte da cultura brasileira”.
Ao longo da reportagem uma série de postagens de Camargo nas redes sociais é exibida, sempre com tom agressivo, eivada de preconceito e desprezo pelos signos da representatividade e da resistência negra, demonstrando sua total desqualificação para o cargo que ocupa. Falas do tipo “Máquina zero obrigatório para a negrada”, ou “Negro de esquerda é burro”, somadas a outras, tal como o absurdo de dizer que a escravidão foi benéfica para os negros, pois, no seu entender, vivemos aqui no Brasil melhor do que os próprios africanos em seu continente. Por posicionamentos dessa natureza, inclusive, a reportagem lembra que, ao ser indicado para o cargo em novembro de 2019, enfrentou resistência do movimento negro e também da Organização das Nações Unidas, que moveram uma ação para impedir a sua nomeação, garantida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
O caso da Fundação Palmares se insere na lógica bolsonarista de desmantelamento das instituições tal como se observa constantemente nas áreas da cultura, educação, ciência e tecnologia, meio-ambiente, saúde, assistência e proteção social. Em muitos casos, tudo isso acontece pelas vias mais sórdidas possíveis, como no caso de Sérgio Camargo, a via do assédio moral, da intimidação, do terror psicológico. Tudo movido pelo sentimento de impunidade, que aliás impera entre aqueles que ocupam o poder na órbita bolsonarista. Agem sem o menor receio, sem qualquer freio moral, legal, ético ou humanitário e sempre, como é público e notório, sob a estratégia da hostilidade, do ataque, da agressão, do enfrentamento e da desinformação.
Sergio Camargo integra o rol do bolsonarismo raiz, cujas atitudes não mais surpreendem, mas causam, sim, indignação e revoltam naqueles cuja sensatez e empatia são virtudes. Ele pertence à laia ideológica de muitos outros que já ocuparam ou ainda ocupam cargos no governo. Insiste em agir ou se comportar da maneira como lhe convém, pois tem a certeza da impunidade, e que nada vai lhe acontecer porque está “fechado com Bolsonaro”.
Desde que ocupa o cargo na Fundação Palmares, Camargo vem empreendendo uma violenta ofensiva contra o patrimônio e a memória da Instituição. Investiu contra o acervo da biblioteca ao criar uma espécie de index compondo uma lista de obras clássicas de autores como Marx, Weber, Gramsci, Durkheim, Simone de Beauvoir, Einstein, Freud, Nietzsche, Bertold Brecht, Hobsbawn, Otávio Ianni, Nelson WernecK Sodré, Celso Furtado, Caio Prado Jr. entre outras centenas de obras de autores consagrados, com o argumento esdrúxulo de que não representavam“a missão institucional da entidade”, como aponta reportagem de Hugo Marques, da revista Veja. Logo depois, em 28 de junho, devida a repercussão negativa da iniciativa, a entidade emitiu nota esclarecendo que nenhum livro seria doado.
Segundo trechos do documento apresentado pela revista, ao autorizar a doação das obras, o relatório sustenta que tais livros tinham a função de propagar a “dominação marxista”, “pautadas pela revolução sexual, pela sexualização de crianças, pela bandidolatria e por um amplo material de estudo das revoluções e das técnicas de guerrilha”. Ao ataque escandaloso ao patrimônio da instituição soma-se a agressiva e covarde decisão de retirar do site da entidade homenagens a personalidades de estimada contribuição para a afirmação da população negra do país. Agora, novamente tem o nome envolvido em mais um grotesco episódio de perseguição ideológica e racismo, criando um ambiente insustentável de trabalho dentro da entidade, principalmenteentre servidoras e servidores negros.
Como negro e professor de História, manifesto todo o meu repúdio as ofensas desferidas por Sérgio Camargo as servidoras e servidores da Fundação Palmares e expresso minha solidariedade a todas e todos os funcionários vítimas dos constantes assédios e descalabros cometidos por esse senhor. Que se tenha a devida investigação e apuração por parte do Ministério Público do Trabalho dos casos denunciados e se faça valer a lei para quem quer que seja. Não há razão nenhuma para eximir os bajuladores da presidência da República das contravenções que cometem.