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Quem sabe faz ao vivo

Cartazes com erros de inglês fazem bolsonaristas virarem piada nas redes (Foto: redes sociais)

O cara que falou isso pode até ter um programa chato pra caramba, mas ele sabe fazer. O Faustão é um dos melhores comunicadores da televisão brasileira. Sabe por quê? Dois motivos básicos: primeiro, ele vem do rádio; segundo, ele pensa no receptor.

Rádio em silêncio é defeito. Se no meio da transmissão o sujeito para de falar, o ouvinte acha que caiu o sinal e muda de emissora. Ligar um rádio em silêncio é coisa de maluco. Nem estática tem, silêncio mesmo. Na faculdade de Comunicação tinha um exercício que despertava palavrões na turma, mas que o Márcio Guerra tinha um prazer perverso em aplicar: povo fala. Era andar na rua por dois, três, cinco minutos, num Calçadão quase vazio das sete da manhã, e sem direito a desligar o gravador antes de ter uma sequência de falas sem silêncio. Se não tem gente pra falar, se vira locutor.

O segundo ponto forte do Faustão é saber que, se alguém tá te ouvindo, tem que respeitar. E pensar no ouvinte (ou no espectador da televisão) é também imaginar o que ele quer ouvir. Resposta vaga, pausa pra sorrisinho, tropeço no palco, tudo é motivo pra comentário do bom apresentador. E vai além, presta atenção.

Quando a boate Kiss pegou fogo, numa noite de sábado, virou a pauta do domingo. Só que domingo não é dia de jornal: tem desenho de manhã, futebol e filme e Faustão de tarde pra só de noite ter o Fantástico. Vamos lembrar que isso é janeiro de 2013, quando a Fórmula 1 e o Faustão ainda não estavam na Band. Como sempre existe um especialista de alguma coisa que a produção encontra, o Faustão entrevistou o sujeito (não lembro quem, desculpa), ao vivo, no improviso, mesclando perguntas com contextualização. Em vinte minutos, conseguiu um nível melhor de informação que o Fantástico em mais de duas horas. O Fantástico usou imagens, o Faustão não.

E colocam um Luciano Huck depois de um não-jogo entre Brasil e Argentina pra tentar tapar o buraco que o Faustão deixou aumentativamente. Se Luciano Huck passou pelo rádio, não parece, mas uma certeza há: ele não pensa no receptor. Se pensasse no coletivo não erraria tanto na política. Reformar casa e carro e achar que tá fazendo política é igual lançar Tiazinha e Feiticeira acreditando estar indo além do óbvio (a porno-chanchada já trouxe artigos melhores da Boca do Lixo nos anos 1970).

Tem problema não saber fazer alguma coisa? Nenhum. Falta de humildade é que ferra.

Let’s talk about politics. (Acho que bolsominions não leem esta coluna, mas vou traduzir porque o texto é público: vamos falar sobre política.)

O surgimento da escrita trouxe também o analfabetismo. A partir do momento em que um lê e escreve, quem não faz isso é analfabeto. O humorista Diogo Almeida, aquele que correu as redes durante a pandemia mostrando a situação da professora se lamentando com a Márcia, tem um vídeo em que a Enciclopédia Barsa é o tema. Na parte do índio, ele é didático quando explica que antes era só copiar o verbete e hoje é preciso pensar sobre ele.

Quando o sujeito simplesmente lê, mas não pensa no que lê, é analfabeto funcional. Juntar as letrinhas b+a e falar ba tá longe de fazer do sujeito um plenamente alfabetizado. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2020, 9% das pessoas admitem que não entendem o que leem. O Inaf (Indicador de Analfabetismo Funcional) considera os menos sinceros e mostra que 29% dos brasileiros são incapazes de interpretar mais que um bilete (digo, bilhete). Ou seja, considerando a margem de erro, esses são os apoiadores do Bolsonaro.

Certamente tem um ou outro ali com pensamento estratégico que vai levar vantagem em alguma rachadinha do governo, mas a maior parte não sabe interpretar que apoia a fila do osso, o aumento da gasolina, a universidade pra poucos e boa parte das quase 600 mil mortes por Covid-19 no Brasil (desculpa a lista sintética). Esse é o perfil do torcedor do Bolsonaro, daqueles que não larga o time na pior fase, com a diferença de que um time ruim perde, um governo ruim faz todo mundo perder.

Quem foi pra rua sem saber fazer ao vivo deveria ter ouvido melhor o Narazeno, personagem do Chico Anísio, e ficar calado (editando este texto, descobri que a analogia foi feita ano passado levando em conta o líder supremo, infalível e arregão da boiada). E se não bastasse passar vergonha na rua porque não sabe ler português, tem sujeito que ainda passa carão em inglês. Por mais que isso seja um projeto de lideranças da extrema direita pra colocar palavras e imagens espalhadas pelas redes sociais mundo afora, a turminha que fez os cartazes faz menos militância do que papel de bobo.