No romance O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde conta a história de um rapaz de rara beleza física, que – no auge da juventude – teve seu retrato pintado pelo artista plástico Basil Hallward. A história começa no momento em que Dorian está para conhecer a obra, que ficara magnífica. Entretanto, ao chegar, o rapaz encontra o pintor acompanhado de outra pessoa, o lorde Henry Wotton. Enquanto Basil dá os últimos retoques na tela, Henry conversa com Dorian, afirmando que ele deveria ter ciúmes daquela pintura, pois a cada dia que passasse, ela continuaria bela e plena, enquanto o jovem envelheceria e perderia os atrativos, até se tornar uma caricatura da obra em que fora retratado. “O tempo tem ciúmes de você e luta contra seus lírios e suas rosas”, afirma lorde Henry. Dorian Gray fica tão impressionado com estas palavras que confessa ser capaz de vender a alma para que o quadro envelhecesse no lugar dele.
Ao fenômeno contra o qual o personagem de Wilde travará – nas páginas seguintes do romance – uma luta inglória, o budismo dá um nome: impermanência. Ou seja, a contínua mutabilidade do plano em que vivemos. Tudo que nos cerca, inclusive o frágil corpo físico de que nos servimos para interagir com o universo, está em constante transformação. O tempo caminha indiferente à nossa vontade, enquanto o mundo material que conhecemos vai se esfacelando, transformando-se em pó sempre que tentamos apanhá-lo.
Compreendida a partir deste ponto de vista, toda ideia de controle é ilusória. Na verdade, afirmam os budistas, ninguém tem ou teve nada em momento algum. Estamos de passagem e a ampulheta da morte, a cada segundo, nos informa sobre a perda de valor, para nós, de toda e qualquer riqueza material que tenhamos acumulado. No fim de sua vida, o milionário trocaria de lugar com um mendigo. E todo condenado à morte só fez entrar, pouco antes que o carrasco, na fila onde todos caminhamos.
Para o sofrimento causado pelo constante desmoronar que marca nossa realidade, Buda aponta uma única solução: o desapego. Tudo que nos cerca (na vida pública, no emprego, na família) é provisório: deve ser vivido com respeito e dignidade, mas com a sábia compreensão da transitoriedade. Mesmo os doentes curados por Jesus tiveram, tempos depois, que devolver o corpo ao planeta. E é o mestre galileu que afirma a urgência de não ajuntarmos “tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças” – ou seja, a impermanência – “corroem”, preferindo os tesouros no céu, que “os ladrões não furtam nem roubam”.
Assim, lembrando a velha publicidade de cartões de crédito, vivamos as coisas para as quais “existe Mastercard”, mas lembremo-nos que aquilo que nos dignifica são as experiências que não têm preço, construídas na sublimidade da relação com o próximo. Algo a que devemos atentar enquanto é tempo, pois quando acaba o milho, acaba a pipoca. E nenhum de nós sabe quanto milho tem na própria panela.