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1001 dias a ver o Brasil morrer

Da grande leva de 1001 coisas pra coisas antes da coisa chegar, o primeiro livro que apareceu foi o de 1000 lugares. Como são 1000 e não 1001, e em pandemia ninguém pode ir a lugar nenhum sem ter uma gota de negacionismo no sangue, pulemos.

1001 livros é possível e recomendado que se leia ante de morrer. Tendo uma expectativa de vida de aproximadamente 75 anos (embora diminuindo) e uma alfabetização ocorrida até os 6 anos, talvez lá pelos 15 (pra facilitar a conta) um brasileiro esteja lendo com bom ritmo os 1001 tomos aconselhado (talvez já tenha lido O pequeno príncipe, ou é melhor não ler mais). São 60 anos de leitura, 16,7 livros por ano, ou seja, cerca de um livro e meio por mês.

Um livro a cada três semanas não é pedir muito. Tudo bem que ninguém quer morrer, pode pular alguns pra se garantir e não cumprir a meta. Que fica complicado pra quem não leu pelo menos um livro nos últimos três meses, o que é considerado um não-leitor. O Lula leu pra caramba na prisão, chegou a publicar a lista, e só não leu mais porque a justiça o tirou de lá. Bolsonaro tá precisando ler bastante e que a justiça não lhe tire esse privilégio.

Filme fica fácil de ver um a cada três semanas. Até um por semana. Só que precisa ser daquela lista do livro dos 1001. Ficar repetindo franquia da Marvel ou de bruxaria não conta, tem que ver os recomendados. Prepare-se porque tem muita coisa em preto e branco, muito filme de guerra, muita cena pesada de violência, muita tragédia e até comédia também, porque ninguém aguenta ficar vendo só telejornal.

No livro tem um curta-metragem brasileiro recomendado: Ilha das Flores, do Jorge Furtado. Um primor. A narrativa segue um ritmo maravilhoso que parte da importância do polegar opositor ligado ao nosso telencéfalo pra mostrar a superioridade do ser humano diante de outros animais. Sobretudo diante dos porcos. Sim, os porcos, somos melhores que os porcos, e George Orwell nem precisa saber disso ou entraremos numa discussão desnecessária sobre política.

Tem também o livro dos 1001 discos pra serem ouvidos à espera da danada das gentes. Cena idílica, ficar deitado na rede com o fone de ouvido enquanto a morte te chama e você não escuta. Típica de filme do Woody Allen, que usa boas músicas em suas obras, movidas a jazz. O livro recomenda do clássico ao pop e ajuda a escolher a trilha sonora do momento.

Tivemos um Presidente Bossa Nova em JK, num respiro de democracia um pouco mais curto do que o último, em que a república não tinha música, mas tinha pão de queijo. O Hino Nacional corre o risco de ser trocado por Evidências se depender do apoio popular, desde que se excluam os que desfilam abraçados no 7 de setembro. Estes dividem-se entre a Marcha Fúnebre e o presidente punk.

São muitos os livros das 1001 coisas pra se fazer. Tem comidas, vinhos, cervejas, séries de televisão, perfumes (haja dor de cabeça), ideias que mudaram a forma de pensar, invenções que transformaram o mundo e a musa inspiradora dessa franquia: 1001 noites. Tem também os 1001 dias que abalaram o mundo. É um livro de História, com marcos de vários tempos.

O Brasil também tem seus 1001 dias, ao longo dos quais muita gente não pôde ler livros porque trabalhava mais do que deveria pra garantir o gás no final do mês, não pôde ver filmes porque estava cansado de procurar emprego e voltar a pé pra casa de noite, não pôde ouvir música porque o som do respirador no hospital não deixava, não pôde comer porque não tinha comida, não pôde beber porque não tinha bebida, não pôde sequer ver televisão porque muitos precisavam ter mudado bem antes a forma de pensar. Foram 1001 dias de Bolsonaro, ao longo dos quais muita gente não pôde sequer se desafiar com quaisquer 1001 coisas antes de morrer.