Entrar numa sessão de cinema no meio da tarde durante a semana tinha gosto de Diamante Negro. Aquele mesmo, em homenagem ao Leônidas da Silva, que a Lacta vendia em barras. Na mochila tinha uma barra daquelas que devia pesar meio quilo. Mentira, era menos, mas quem viveu aquele tempo, que nem faz tanto tempo assim, vai se lembrar dos quadradinhos altos.
Hoje a Lacta vende umas folhas de chocolate com retângulos mixurucas que trazem na embalagem a mesma marca, mas foi sorte do Leônidas ter morrido antes, pra não passar vergonha. Colocar a barra de antes perto da folha de hoje faz parecer aquela cena de Um dia de fúria, na lanchonete: o que tá na foto não corresponde ao que vem na bandeja.
Pois é, uma barra de Diamante Negro não é mais uma barra de Diamante Negro. Continua sendo um chocolate gostoso, mas não é o que vem ao caso agora. Estamos falando de sacralidade. E aqui vale pra chocolate de todas as marcas que vêm diminuindo a quantidade pra manter o preço e depois aumentar o preço assim mesmo.
A origem do chocolate é suficiente pra mostrar a falta de respeito que tá acontecendo. Quando os astecas mostraram pros espanhóis o xocolatl, ensinaram também toda a extração do cacau e a Europa foi aprimorando técnicas e hoje produz um monte de variedades. O mundo todo faz isso. Só não rola ignorar que a origem de tudo vem dos deuses. Ou dos alienígenas, o Stargate te ajuda a entender.
Todo o panteão, que vai do refinado Godiva às bolinhas de futebol parafinadas vendidas em baldes em qualquer atacadista de doces, faz parte da louvação. Comer um chocolate é prestar agradecimento a toda essa história. Chocolate é refeição, é ração em tempos de guerra, é sobremesa, é complemento de prato e de entrada. É comunhão com algo além da compreensão humana. Além, sacou? Não tente compreender.
O importante: comer chocolate.
Todo mundo deveria ter direito a um pedaço de chocolate por dia. Tinha que ter na cesta básica e na merenda escolar. E vem o limitado falar que engorda, que faz mal… Ah, guarde sua frustração pra você! Ou leia de novo ali em cima: panteão. Tem muito chocolate diferente e tem até chocolate branco, que nem é chocolate, mas Hércules também não era deus e frequentava o Olimpo.
Chocolate cabe em qualquer hora e lugar. Só não tem cabido no bolso do brasileiro. Pedaços menores a preços maiores vêm proliferando nas prateleiras. Uma cobertura, que antes usava duas barras de meio amargo, agora precisa de três. Tá mesmo de amargar (trocadilho pobre, perdão).
Isso num país que tem cacau a dar com o pau, produz chocolates de diversos tipos, com qualidades distintas e atendendo todos os gostos. Cadê nossos políticos do legislativo com um Projeto de Lei regulamentando o consumo do chocolate? “Fica estabelecido, a partir da presente data, o consumo mínimo regular diário de chocolate em território brasileiro. §1°. Quem não puder, por qualquer motivo de saúde, ou não quiser fazer a ingestão diária de chocolate a que tem direito, deve terceirizar o consumo e fazer o devido registro junto às autoridades competentes.” Assim o consumo se mantém, o mercado se garante ativo e as estruturas financeira e mental do país seguem balanceadas. E ainda do jeito que os neo-liberais gostam: terceirizando alguma coisa.
Brasil tem chocolate tipo exportação. Daqueles de moedinhas, que geralmente tem em festa de aniversário de piratas. Os traficantes dos sete mares enviam suas moedas de ouro pra paraísos fiscais no exterior, ao invés de investir no mercado interno, que só derrete.
Sejamos otimistas: se toda essa energia profana atingiu o chocolate, o sagrado também pode triunfar e, tal qual um bom filme com continuação, termos a hora da vingança, com mesa farta, barras grandes, preços justos e fila na frente da fábrica do Willy Wonka novamente. Mas por enquanto tá osso.
Enquanto os cinemas não voltam a funcionar, a barra grande de Diamante Negro faz menos falta (ela sumia durante os trailers, porque no filme não aceitava barulho de comida). Quando voltarem, restará a pipoca (com a devida importância dada pelo Rubem Fonseca).