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As coisas do diabo e o pão que o Atlético amassou

Reinaldo e Hulk conduziram os títulos do Galo (Fotos: Clube Atlético Mineiro)

Na Galiléia ou em Resplendor, vô Januário era um oráculo, um totem para onde convergiam questionamentos diversos. Também de outros adultos, mas principalmente das crianças. Era um homem muito sábio e realmente parecia saber a resposta para tudo – impressão reforçada a cada consulta. Nas raras vezes que não sabia claramente a resposta punha a culpa no diabo. Certa vez, depois de ler algo sobre o então incipiente e desconhecido videocassete perguntei a ele: “Vô, é verdade que no futuro a gente vai conseguir ver cinema na televisão?” (que era o que o tal do videocassete prometia). Ele demorou um pouco para responder (outra característica dos sábios, pensar a resposta) e decretou: “Sei não, meu filho, mas se isso acontecer será coisa do diabo”.

Mas vô Januário também sabia muito das coisas de Deus – no princípio era ele quem nos levava às missas – e das coisas terrenas, racionais, embora pareçam apenas passionais: era fã de Juscelino Kubitschek, filiado ao PSD da época e torcedor do Atlético e do Fluminense. Os dois netos mais velhos o seguiram e passaram a torcer pelo Galo mineiro e pelo tricolor carioca, creio que para agradá-lo. O terceiro neto tinha outros planos clubísticos (Cruzeiro e Vasco da Gama, times do pai), mas não ousou declarar antes de consultar vô Januário e receber a aprovação.
Lembro sempre dele, e mais ainda na quinta-feira quando o Atlético voltou a ser campeão brasileiro, encerrando um jejum de 50 anos com uma virada épica em 5 minutos – exatamente como o lema do Governo JK. E tinha que ser assim, pois nessas cinco décadas os atleticanos comeram o pão que o diabo amassou.

O bi brasileiro era para ter vindo em 1977. Depois de uma campanha irretocável, invicta, a final foi disputada em jogo único, no Mineirão, contra o São Paulo. Empate no tempo normal e na prorrogação. Na disputa de pênaltis o goleiro João Leite pegou as duas primeiras cobranças dos são-paulinos. Então, para perder o campeonato, só se os atleticanos perdessem três pênaltis. E perderam, um atrás do outro, todos chutados no alto, por cima do travessão.

O bi brasileiro poderia, então, ter vindo em 1985, quando na reta final sobraram quatro times: Atlético, o irregular Coritiba e os pouco expressivos Bangu e Brasil de Pelotas. Não veio.

A Libertadores foi vencida, de forma extraordinária, em 2013, mas também demorou. Era para ter vindo em 1981, se José Roberto Wright (“Rato” para os atleticanos) não tivesse feito o que fez no Serra Dourada, contra o Flamengo, naquela que é conhecida como a partida de futebol mais infame da história.

Mas agora tudo superado. Um campeonato vencido dessa forma tem esse poder, de apagar frustrações passadas.

Vô e pai já se foram e depois que se cruza os cabos da Boa Esperança e o das Tormentas não é necessário mais pedir autorização para nada. Moro em “terras cariocas” e ninguém me pergunta mais. Se me perguntarem um dia, repetirei Tancredo Neves: Torço pelo Tupi, mas tenho grandes simpatias pelo Atlético, pelo Cruzeiro, pelo América e por todos os times do interior (do Aymorés ao Tricordiano), todos ao alcance. Juiz de Fora é aqui. Belo Horizonte, Nova Lima, Tombos e São João Del Rey são logo ali. Até Poços de Caldas, Pouso Alegre e Governador Valadares é um pulo. Só Uberlândia, Patrocínio e Patos de Minas demandam chão, mas Minas são mesmo várias. Nada pode ser maior. Coisas de Deus.