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Vou te mandar um áudio

(Foto: Jason Rosewell/Unsplash)

Tá cheio de podcast bom pipocando por aí. Se teve uma coisa boa da pandemia (caramba, a que ponto chegamos!) no campo da comunicação foi esse crescimento dos podcasts. Crescimento de quantidade e de qualidade.

Tudo quanto é plataforma que tem áudio deu um jeito de abrir a aba pros podcasts, quem tinha blog, site, canal no YouTube partiu pro podcast também. Não foi todo mundo, mas foi muita gente. E com muita gente testando as coisas, o resultado tende a melhorar.

O troço todo começa com o rádio, lá atrás. No Brasil foi em 1922, no dia 7 de setembro. Dali pra frente, vozes entraram nas casas das pessoas contando histórias reais e ficcionais, passando pelas radionovelas (herança do folhetim) e pelo radiojornalismo (que deixou na história do Brasil o célebre Repórter Esso).

Esso, aquela marca de posto de gasolina, patrocinava o jornal mais famoso da época. Só que não era a única marca. Tem muito jingle famoso desses anos todos em que o rádio reinou sozinho na sala da casa, inclusive há quem cante “Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar…” sem saber que os Cobertores Parahyba trouxeram essa melodia pro gosto popular. É um meme.

E o futebol? Caramba! O que há de melhor no futebol vem do rádio. Até uns trejeitos de narradores de TV hoje são resquícios de um momento em que o locutor tinha que fazer o jogo ser visto através do radinho de pilha. Os vizinhos na calçada, um caixotinho com a antena, um cilindro com a cerveja e os copos americanos (design brasileiro) na expectativa do gol.

As vozes no rádio falam com intimidade pra quem escuta em casa, no carro, andando na rua. Um locutor se torna um formador de opinião, ainda hoje, a ponto de sair do estúdio pra vida pública e levar a esposa junto (exemplo há em Juiz de Fora e Campos dos Goytacazes). O sussurro no pé do ouvido é de uma força tão grande que a publicidade, em tempos digitais, não abandonou o rádio.

A infinidade de programas diferentes começou, com a internet, a se descolar de um canal específico e multifacetado pra ganhar voo solo. Quem quer ter uma radionovela não precisa estar numa rádio oficial: cria um canal próprio. Tem de tudo, com formatos, ritmos, gostos diferentes, sempre explorando linguagens e se encaixando no formato chamado podcast.

Das narrativas curtas ficcionais de Vinícius Calderoni no Que dia é hoje e do Phármakon, do Hupokhondría, às discussões do noticiário cotidiano com o Café da Manhã, prosas soltas acontecem no Calcinha Larga e análises políticas no Foro de Teresina ou no Medo e Delírio em Brasília. Sem mencionar as produções da Rádio Novelo, capitaneadas pela Flora Thomson-Devaux, com Praia dos Ossos e Retrato Narrado, este em parceria com a revista Piauí.

O que todos esses podcasts têm em comum? São pensados, estudados, testam jogos de linguagens enquanto respeitam o histórico que herdaram do rádio, do teatro, das conversas milenares em volta do fogo. Quem faz conhece BG, sobe som, corta. Tem episódio grande e tem episódio curto, mas todos feitos com planejamento, técnica, tempo e responsabilidade (espera-se).

Quando alguém te manda um áudio no WhatsApp não tem nada disso.

Pô, mas o áudio é mais fácil, cê tá andando na rua ou tomando banho e resolve tudo. Resolve pra quem? Porque a outra pessoa pode não estar andando na rua pronta pra te ouvir ou tomando banho e disposta a colocar seu áudio no volume máximo no chuveiro.

Vai mais longe: o sujeito pode estar ouvindo um podcast bem feito e tem que parar pra ouvir o seu, gravado toscamente.

Netiqueta: pergunte se pode mandar áudio se não está acostumado a fazer isso pr’aquela pessoa. Você corre o risco de não ser ouvido e a culpa será sua.

Se tem urgência, ligue. Se não tem, mande mensagem. Se precisa mesmo, mas mesmo mesmo, falar, peça licença pra ocupar o tempo do outro (se ouvir áudio fosse bom, o próprio aplicativo não teria lançado o recurso de acelerar).

Tempo é dinheiro. Se você tem tempo pra mandar áudio, pense em quem não tem tempo de ouvir (e mande um PIX).

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