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O Deus torcedor

O sagrado e o profano jogando pelo mesmo time (Foto: Paula Reis/Flamengo)

Naquele dia, Deus acordou decidido, abriu seu guarda-roupa e logo separou sua camisa do Palmeiras. Era a final da Libertadores e Ele, ao contrário de Tuchel, acompanha a competição da América do Sul. Nos últimos anos, resolveu estar torcedor fanático do velho Palestra, arrumou dinheiro com a Crefisa e colocou a mesma pessoa para gerir a empresa e o clube. De tempos em tempos, isto acontece.  

Dizem as más línguas que o nosso Criador até relevou o coração corinthiano de Sílvio Santos e, como retribuição à ajuda na construção do humilde Templo de Salomão, levou a transmissão para o SBT. Assim, entre um exame e outro de DNA, a diversão continuaria com os jogos de futebol. São Gennaro ficou feliz, mas curioso com a mudança. “Para diversificar e ampliar o alcance”, disse Deus. “Na Globo, já tem louvor do artilheiro musical todo domingo no Fantástico.”

Jesus, o filho, não o português, ainda teria tentado argumentar para que o Pai adotasse uma posição neutra, uma postura acima de qualquer suspeita, assim como fez o ministro terrivelmente evangélico na sabatina do Congresso. Disse o filho que uma vitória do Flamengo, com gol do Michael, poderia render uma boa entrevista ao final da partida. A repórter, logo após o apito final, falaria da vida sofrida do jogador, dos seus vícios, da sua ficha policial e da sua recuperação, mas Deus lembrou que isso já havia acontecido com o Nikão, na Copa do Brasil. Ficaria muito repetitiva a cena. Sem contar que, campeão, o Renato ia se achar maior que o Cristo Redentor. 

“Mas o capiroto torce para o Palmeiras”, rebateu indignado São Judas Tadeu, adentrando ao gabinete. “Isto já resolvi, meu amigo”, respondeu o Senhor ao santo das causas impossíveis, “fiz ele falar que torceria para o Flamengo”. Muitos foram os argumentos – a nova variante do vírus, a fome, o preço da gasolina, os búfalos abandonados, a votação da Fazenda -, mas nada faria Deus não interferir naquele jogo.

Vendo que qualquer debate seria em vão, Jesus, o filho, não o português, foi para o quintal e subiu em sua goiabeira preferida. Lá era mais fácil para pegar o sinal do wi-fi. Resignado com a derrota, estava inquieto para saber como seu Pai faria o time do Luan e do Breno Lopes ganhar. O velhinho havia caprichado na surpresa e segurou a perna do Andreas para o Dayverson virar herói. O Dayverson!!!…

O retorno de imagem não poderia ser melhor. Muito tempo tendo seu nome exaltado nas TVs abertas e fechadas, e nas suspensas por pirataria, além da exposição positiva nas redes sociais. O goleiro, o artilheiro, o cão de guarda, todos repetiram as cantilenas de adoração em meio às comemorações, enquanto Deus se regozijava. O bom humor é tanto que o Criador fez reaparecer o fantasma do Aristides e está pensando em incluir o Chay na lista do Tite.

Em sua infinita bondade, nosso Criador ainda fez mais. Substituiu um daqueles cometas que ninguém vê por um título do Galo e agora aguarda ansioso o Cuca cumprir as promessas (é claro que o Cuca fez promessas). Deus até pensa em olhar de novo para o Flamengo, mas vai depender da volta de Jesus, o português, não o filho.

Palavra da Salvação.