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Tudo bem no ano que vem

George (Alan Alda) e Doris (Ellen Burstyn) prometem ser no próximo ano o último de seus encontros (Foto: Reprodução)

Não faz muito tempo que “Tudo Bem no Ano Que Vem” (filme de Robert Mulligan, de 1978) era presença obrigatória na programação da TV aberta no período entre o Natal e o Ano Novo. Principalmente pelo título, que traz certo otimismo característico dessa época do ano – embora, como nas obras de Samuel Beckett, o título não traduz realmente o estado das coisas. É um bom filme, e ainda tem a presença de Ellen Burstyn, uma atriz icônica para toda uma geração de cinéfilos – não pelo papel da mãe da possuída em “O Exorcista”, mas sim por “A Última Sessão de Cinema” (de Peter Bogdanovich) e “Alice Não Mora Mais Aqui” (de Martin Scorsese).

Em “Tudo Bem…” ela faz uma dona de casa que se encontra casualmente com um contador (papel de Alan Alda) em um hotel. Embora ambos sejam casados, decidem marcar um encontro anual, sempre na mesma data e local. E assim fazem, por 26 anos, de 1951 a 1977. Nos encontros, eles ficam quase o tempo todo no hotel e o que acontece ao redor (no mundo) é revelado a nós, espectadores, por imagens representativas de cada quinquênio, as roupas, mas principalmente pelas impressões verbais de ambos sobre os temas relevantes, como assassinato de presidente, revolução sexual e a guerra (do Vietnã). Peça teatral e roteiro cinematográfico, de Bernard Slade, de primeira, no tempo em que o Verbo era muito precioso e o cinema, para gente adulta.

Se refilmado hoje, “Tudo Bem…” certamente ganharia um ponto de interrogação no final, pois nada é certo para 2022. O futuro realmente é imprevisível, mas em outros tempos tinha-se um mínimo de norte e esperança. Agora não. É como se uma névoa espessa tivesse baixado sobre todos e embaçado a bola de cristal. No Brasil teremos (teremos?) eleições, que em qualquer país do mundo, na maioria das circunstâncias, servem para consertar as coisas políticas, institucionais, sociais e culturais. Não por aqui, onde o que predominam são sobressaltos e temores antecipados: vão impugnar o candidato líder nas pesquisas? O TSE, agora dirigido por um general bolsonarista “arrependido” (?!), vai implicar com as urnas eletrônicas? O genocida vai continuar fora da camisa de força, vomitando barbaridades? O ex-juiz parcial – com sua “conje”, corja e burrice – vai mesmo ganhar a simpatia da mídia condescendente e cínica? As fake news serão realmente punidas?

A cultura, o meio ambiente, a educação e a saúde suportam mais um ano de desmontes e estragos? A matriz econômica continuará sendo dos ricos, para jogar os pobres cada vez mais na vala comum da miséria? As armas liberadas vão “resolver” quantos problemas de trânsito e de vizinhança? Quantos casos de racismo, homofobia, feminicídio e truculência policial teremos por mês? Aprenderemos a conviver com os vírus, as máscaras e o novo modo de contato social? Quando voltaremos com tranquilidade aos cinemas, botecos e estádios? O esporte continuará sendo dominado por gente mau caráter? O Tupi vai subir para a primeira divisão do Campeonato Mineiro?

No início do filme, ainda reticente quanto à proposta de encontros anuais, em finais de semana que duram para sempre, Ellen Burstyn avisa a Alan Alda: “Está bem, mas essa é a última vez”. 2022 está com cara de última vez, derradeira tentativa para tudo, início do fim do humanismo. Até mesmo porque “Tudo Bem no Ano Que Vem” e todos aqueles filmes de outrora não passam mais na TV aberta. E nos telecines, a impressão que se tem é que o catálogo de filmes só possui 100 títulos, todos ruins e repetidos ao longo das 52 semanas do ano – o que também nos deixa sem esperança de dias melhores.