Colunas

A pior fase da pandemia

(Foto: Bruno Kelzer/Unsplash)

Evitar é verbo transitivo direto e significa, segundou o Houaiss (míni, porque este texto é curto), “1 manter-se livre, distante de (algo ou alguém ger. desagradável, perigoso); esquivar-se 2 não permitir a concretização de; impedir”.

Bia Klimek, do Instagram @qualmáscara, ensinou um triângulo básico para EVITAR o contágio: uso de máscara, espaço aberto, sem aglomeração. Pelo menos dois, dos três itens, precisam ser respeitados. Isso para EVITAR. Ou seja: samba na praça do Jardim Glória tem muita gente, mesmo sendo espaço aberto, por isso máscara é uma regra. “Ah, mas só tirei pra tomar cerveja.” É igual a grávida falando que “foi só a cabecinha…”.

Quando começou a Segunda Guerra Mundial, o Blietzkrieg alemão foi mais intenso (e movido a entorpecentes, de acordo com Norman Ohler no livro High Hitler) do que os sete tiros em Franz Ferdinand pra começar a Primeira Guerra. Por quê? Porque tinha um pensamento ariano latente, um sentimento de derrota, que foi facilmente transformado em espionagem, desconfiança e medo, para todos os lados.

Quando o Aécio perdeu as eleições e começou a chorar, ajudou a despertar nos perdedores o senso de injustiça. É muito dar pro Aécio todo o mérito dessa situação, mas, como os soldados alemães impulsionados pelo pó branco, ele foi o disparador de um discurso que ia muito além dele e  estava plantado no coração sombrio de muito Anakin Skywalker. Racismo? Revanchismo? Nazismo? Mais do que isso: egoísmo.

No país de tantas farinhas, em tempo de crise meu pirão primeiro. Vale pra elite que quer viajar pra Disney sem o porteiro (já virou clichê), vale pra patroa que não quer dar folga pra empregada (Que horas ela volta?), vale pro fodão que desfila sem máscara na rua e nem é só na rua, espaço aberto em que anda sozinho, mas se mantém assim quando entra num lugar, quando conversa com alguém e quando tosse sem se preocupar se tem alguém perto.

Quando começou a pandemia, o egoísmo foi deixado um pouco de lado, empurrado pela ignorância. Por um tipo de ignorância. Ninguém sabia direito como o vírus se propagava, então era melhor ficar longe de pessoas que respiravam, não ter  contato com superfícies sem higienizar, lavar as mãos o tempo todo e passar álcool, não enviar áudio pelo WhatsApp (porra, vírus, podia ter ajudado nessa!).

A ciência gastou gente, sinapse, dinheiro e tempo pra descobrir que muita coisa tava sendo exagero, que os cuidados poderias ser outros. Também gastou isso tudo pra criar a vacina. As vacinas. Várias, por diferentes caminhos, com distintos graus de eficiência e num tempo mais curto do que o esperado.

Antes, dois anos atrás mais ou menos, todo mundo se isolava em casa (quem podia) e tentava descobrir novas formas de sobrevivência pra EVITAR o vírus. Era o tempo da ignorância quanto às verdades sobre como realmente proceder. Esse tempo passou.

Hoje sabemos quase dois anos a mais de coisas sobre o vírus, que não é bobo e se desdobrou na Ômicron. E o povo tá ignorando as verdades.

Começou com os embargos à África do Sul quando ela contou ao mundo sobre a nova variante. Ela não inventou a variante, descobriu e contou. Foi como a mãe dizendo “menino, leva a blusa que vai esfriar” e o foda-se mental do adolescente vira gripe no dia seguinte. Era melhor EVITAR o país do que retomar os cuidados, diziam as elites.

E vieram as festas e as viagens de final de ano. O que mais se ouviu nas últimas semanas foi “o meu cunhado chegou…”. Vamos à etimologia do Twitter. Bocado é o que cabe na boca. Punhado é o que cabe no punho. Cunhado é fácil de culpar… Só que pensar que a festa foi festejada, que a viagem foi viajada, que o show foi frequentado, isso é melhor EVITAR de pensar.

E diante da variante de propagação fácil, a galera dá mole. EVITAR sai do dicionário, egoísmo entra. Ah, tô vacinado, tomei três doses. Tem gente que fala isso pra te abraçar. Pegar o vírus com a desculpa de “tô vacinado, o efeito é menor” é ignorar as crianças que ainda não foram vacinadas, os adultos com comorbidades, a possibilidade de ter mais cuidado e a pandemia acabar.

Quem tem qualquer justificativa pra qualquer ação não essencial (“ah, minha saúde mental!” — pensa na Anne Frank, egoísta!) tem sua dose de egoísmo. E alguém, próximo ou não, diretamente ou não, pode morrer por sua causa.

Estamos na pior fase da pandemia: temos vacina, temos conhecimento, mas não temos a dose necessária de altruísmo pra vencer o vírus.

P.S.: O povo antivacina, para si (suicidas em potencial) ou para suas crianças (homicidas em potencial), nem deve ser levado em conta nesta análise, estão um degrau abaixo da possibilidade de diálogo letrado.