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Os ianques estão chegando

John Textor foi homenageado com a lendária camisa 7 (Foto: Twitter/Botafogo)

Entre as muitas lendas urbanas que envolvem o Botafogo está a estória do primeiro treino de Garrincha no clube. Dizem que já nessa primeira apresentação ele fez milagres, inclusive um drible humilhante no grande Nilton Santos. Ao botafoguense de quatro costados não basta, porém, lembrar esse fato. Tem que dizer que ele (ou o avô ou tio) esteve presente no tal treino, como se fosse normal em pleno dia útil à tarde públicos recordes em treinos de futebol. Conheci pelo menos sete botafoguenses, frequentadores do “Caros Amigos”, que “viram” ao vivo essa primeira apresentação de Garrincha. É uma improbabilidade real e estatística mas de vez em quando isso acontece: na Galiléia, desde sempre e anualmente, as crianças recebiam, na Primeira Comunhão, um escapulário que, segundo nos contavam, continham um pouco da areia do sítio onde Jesus Cristo morreu – como se o local da crucificação, e de terras, englobasse uma vasta área que poderia ir do Norte de Canãa à imensidão do Vale da Morte; e logo após a queda do Muro de Berlim começaram a aparecer nos botecos chiques das Minas Gerais (e creio que do Brasil), para exibição, pedras que, de acordo com os proprietários dos estabelecimentos, eram rebocos do histórico Muro – como se a construção não tivesse a extensão de alguns quilômetros e sim a própria Cortina de Ferro da Europa socialista.


Mas, quando se trata de Botafogo esse tipo de estória é até possível. Nunca ouvi um santista dizer que “esteve” no trem que levou Pelé de Bauru a Santos, mas eles, os botafoguenses, gostam de perpetuar lendas. Alguns, por exemplo, juram que “Garrincha fez Pelé” e que “O Rei do Futebol deve tudo ao Anjo de Pernas Tortas” – E esquecem que Pelé e Garrincha só jogaram juntos umas 30 vezes e que nenhum dos 1.283 gols de Pelé teve a participação de Garrincha. Outros defendem com ardor que o escudo da Estrela Solitária foi eleito (!?) certa vez como o distintivo mais bonito do futebol mundial – e não fazem nenhuma referência à Cruz de Malta na caravela do Vasco da Gama ou a Loba amamentando Rômulo e Remo, presente no escudo da Roma.


Todos os exageros e esse romantismo exacerbado se explicam porque o Botafogo era, naqueles tempos, para o bem e para o mal e sem nenhuma conotação pejorativa, um time de bairro, provinciano.


Não é mais, mas essa aura ficou e, para os que ainda a conservam, foi surpreendente que o Botafogo tenha sido um dos primeiros clubes “comprados” por investidores estrangeiros após a aprovação da tal SAF (Sociedade Anônima de Futebol). O “comprador” é um milionário americano, chamado John Textor, da Eagle Holding (“controle da águia”, em tradução livre – e é bom que o torcedor brasileiro se acostume com esses termos em inglês, que serão mais veiculados que o hino dos clubes).


Se dará resultados satisfatórios ou não só o tempo dirá. Promessas de modernização e profissionalismo sempre são bem-vindas, mas o certo, por enquanto, é que para o investidor lucro é mais importante que História – vide a medida mais recente da SAF de Ronaldo Fenômeno que “comprou” o Cruzeiro: dispensou o goleiro Fábio, titular e ídolo do clube por 17 anos, como se ele fosse um bagaço de laranja.


John Textor fez fortuna em diversos ramos, principalmente com contratos de mídia com as superorganizadas ligas de esportes dos Estados Unidos. É o típico “homem americano de negócios” e comprou recentemente outro clube: o Crystal Palace, de Londres. Li em algum lugar que ele comparou a torcida do clube londrino com a do Botafogo. Nada mais inapropriado. Ele deveria passar a acreditar em treinos com público recorde, odes ao escudo e uma história contada de forma diferente. Não deve ser essa a postura dele, pois isso não tem nada a ver com balanços, contabilidade e ganhar dinheiro, mas como bom ianque ele deveria, para começar sua relação com o Botafogo, ter em mente a lição do conterrâneo John Ford: “Se a lenda é mais importante que a realidade, imprima-se a lenda”.