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Quem gosta de praia que vá pra Cabo Frio

Afinal, é lá a filial de Juiz de Fora nas férias, nos feriados e nas pandemias de Covid. Tem Guarapari também. E tem o povo de Piúma, que não admite que vai pra lá e achou estranho uma praia igualzinha no Parque Halfeld: a água não chegava nem no calcanhar.

Parte desse povo que vai pra Piúma e não conta também tem umas coisas enrustidas, acha que tudo tem um lugar certo e que não pode mudar. Praia, por exemplo.

A Semana de Arte Moderna, de 1922, fez isso em várias frentes: tirou as coisas do lugar. Isso em São Paulo, onde nem tem praia, mas esse ponto não foi levado em conta pelos críticos de arte de Juiz de Fora. O que incomodou os especialistas foi ver pessoas de biquíni na praia fora do lugar. Que indecência.

A Semana de 22 teve como um de seus principais agitadores o Oswald de Andrade, o cara do “tupi or not tupi”, autor, entre outras obras, de A morta, que foi montada pelo Grupo Divulgação na inauguração do Forum da Cultura, 50 anos atrás.

Oswald também escreveu O rei da vela, em 1936, mas que até 1967 seguiu como um teatro por fazer, pra usar o título do livro da Malu Ribeiro sobre o autor. José Celso Martinez Corrêa só não fez ali a ruptura que o teatro brasileiro carecia desde a Semana de 22 porque Vestido de noiva, do Nelson Rodrigues, foi montado pelo Ziembinski em 1943.

Ainda assim, O rei da vela sacudiu as bambolinas tupiniquins e Zé Celso seguiu no embalo pra outro sucesso no ano seguinte: Roda viva, de Chico Buarque.

Só que antes do A.I.5, havia o CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Eram alimentados pela ideia de que os comunistas estariam tramando a tomada do poder. Como aconteceu com o discurso da Intentona Comunista, degrau pro Getúlio Vargas dar o golpe em 1937, e repetido em 1964 pra outro golpe acontecer. E em 2016. Esses comunistas…

O CCC invadiu o teatro e bateu no elenco. Porrada mesmo, como o que a prefeitura temia ocorrer neste final de semana e por isso suspendeu as apresentações do Mercúrio Líquido (da praia) e do Corpo Coletivo (que subiria o Calçadão). Isso de nada adiantou (a suspensão de hoje ou a porrada de antes).

Numa reunião transmitida on-line, os truculentos de hoje repetiram a fórmula de ontem — “eis que chega a roda viva e carrega a viola pra lá”. Se Marília Pêra foi mandada nua pra fora do teatro em 1968, a agressão atual foi a uma mulher grávida. Com uma edição demonizadora (é isso que a arte é pra quem, ao invés de ler um livro ou ver um filme, fica cuidando da vida dos outros), tiraram falas da atriz do contexto e jogaram de forma aleatória num vídeo.

Colocaram frases vazias, como ressignificar símbolos nacionais, sem explicar. A atriz Carú  Rezende explicou na conversa, mas e quem só viu o pedacinho escolhido pra edição tosca? Fica achando que ela vai, sozinha e com aquele barrigão, dar o golpe comunista que tanto faz temer os covardes. Ou quem agride, ainda que psicologicamente, uma mulher grávida tem outro nome?

Se o que a Praia mais queria, como a Semana de 22, era polêmica, conseguiu graças aos que se indignaram ou saíram repetindo a indignação dos outros. O vídeo seguinte já deixa de ser politicagem e se torna desrespeito em outro grau.

Em 2015, Canção de ninar veio à cena pelo T.O.C., em Juiz de Fora. Contava a história de três mulheres: Catarina de Alexandria, que negou o caminho tradicional do casamento porque queria estudar, isso no século IV; Nina, filha de um militar legalista em 1964 que chega a ser violentada aos 16 anos por um soldado dentro da prisão em que o pai está; Nina, uma feminista dos dias de hoje.

Três mulheres fortes que levariam o elenco, provavelmente, a sofrer esse mesmo tipo de reprimenda. E na internet, claro, onde é mais fácil bater e sair correndo. No entanto, a arte segue dando a cara a tapa, como muitas mulheres, e esses machões seguem batendo, por não entenderem o que representa nem arte nem mulher.