Conjuntura

Farinha pouca, meu pirão primeiro: a disputa entre os consórcios Manchester e Via JF

Consórcios Manchester e Via JF disputam linhas do chamado Lote 3 (Foto: Leonardo Costa)

Impactados já há alguns anos pelos carros de aplicativos e sem reajustes durante todo o período da pandemia, os dois consórcios responsáveis pelo transporte público coletivo de Juiz de Fora- Via JF e Manchester – disputam algumas linhas na Justiça. A contenda, com valores sem estimativa legal, retrata o atual momento do setor.

Em agosto de 2021, em ação proposta pelo Consórcio Manchester, a juíza Roberta Araújo de Carvalho Maciel, da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Juiz de Fora, determinou que Secretaria de Mobilidade Urbana (SMU) avaliasse o custo por passageiro de cada um dos lotes licitados em 2016. Os contratos preveem equilíbrio entre os consórcios.

A SMU recorreu da decisão junto ao TJMG, que acabou negando o recurso e mantendo o entendimento. Entre um julgamento e outro, o Consórcio Via JF ingressou com um agravo de instrumento alegando a necessidade de ser colocado no polo passivo da ação, “pois a medida demandada lhe causa imenso prejuízo econômico-financeiro”.

Na última terça-feira, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou a necessidade de estudo do equilíbrio econômico-financeiro, com redistribuição das linhas entre os consórcios. De acordo com o procedimento administrativo virtual 9.110/2021, da SMU, as empresas do Consórcio Manchester deve receber 25 linhas do Via JF.

A propagada licitação do transporte público coletivo (Edital 005/2014) previa a concessão de dois lotes de linhas para a exploração por consórcios de empresas. Um terceiro lote, conforme o edital, foi concebido com o propósito de gerar equilíbrio por custo de passageiros entre os concessionários, com as linhas podendo ser exploradas por ambos.

A proposta de criação do terceiro lote foi a saída encontrada pela Prefeitura, na ocasião, frente à extinção da “câmara de compensação”, que era o mecanismo responsável por corrigir distorções entre linhas superavitárias e linhas deficitárias. Sua operação era feita pela Associação Profissional das Empresas de Transporte de Passageiros (Astransp).

A diferença de rendimento entre as linhas ocorre em função de todo o sistema operar com tarifa única, conhecida como “Tarifa Social”. Por esse modelo, usuários de regiões mais afastadas, com deslocamentos maiores, pagam o mesmo valor daqueles residentes na área central do município, com deslocamentos menores.

Embora louvável, isso acaba levando a distorções, porque a quilometragem percorrida por uma empresa acaba sendo muito maior, com custo maior e, muitas vezes, com demanda menor. Para sanar esse problema foi criada a compensação por meio do “Lote 3”. Assim, a empresa com linhas deficitárias recebe linhas extras para contrabalançar.

A solução seria satisfatória não fosse o fato de o edital de licitação do transporte público coletivo ser omisso em relação às regras para operacionalização do “Lote 3”. Não há menção, por exemplo, às técnicas a serem adotadas nos cálculos, à periodicidade de aferição do desequilíbrio e à diferença de custo por passageiro aceitável entre os consórcios.

Para tentar resolver parte do problema, em 2018, a Prefeitura contratou o Instituto da Mobilidade Sustentável, que apresentou um modelo de estudo para ser adotado para o cálculo de eventuais disparidades entre os dois consórcios. A primeira avaliação feita pela empresa, em dezembro de 2018, apontou para um desequilíbrio.

Na presente ação judicial, o Consórcio Manchester alega justamente que, até 2018, deixou-se de manter o equilíbrio dos contratos, o que foi comprovado após contratação de profissional para realizar estudo acerca de eventuais disparidades. Também pondera que, embora tenha sido feita troca de linhas entre os consórcios em 2019, três anos após o início da operação, não “solucionou o prejuízo já existente”.

Documentos de processos obtidos por O Pharol mostram que esse desequilíbrio apontado em dezembro de 2018 acarretou troca de linhas em fevereiro de 2019. Também há menção a outro reequilíbrio feito entre março e julho de 2017, com a primeira mudança de linhas entre os consórcios, mas sem passar pela Secretaria de Mobilidade Urbana e sem base em estudo técnico previamente determinado.

Ainda conforme os documentos anexados nos processos, houve no final de 2019 outro tipo de “reequilíbrio” de linhas entre os consórcios. Na ocasião, a empresa Goretti Irmãos Ltda pediu para devolver algumas linhas por não possuir condições e operação. A Tusmil (Transporte Urbano São Miguel), que é do mesmo consórcio, não revelou interesse em assumir as linhas.

As linhas, então, foram transferidas para o Consórcio Via JF, onde apenas a empresa Ansal (Auto Nossa Senhora Aparecida Ltda) teve interesse em assumi-las. Para concluir a transferência, de caráter provisório, mais uma vez foi realizado um reequilíbrio entre os dois consórcios. Essa foi a última operação dessa natureza com registro na Secretaria de Mobilidade Urbana.

Consórcio Manchester acusa Prefeitura de tratamento desigual

Em nota divulgada após a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o Consórcio Manchester acusou a Prefeitura de dispensar tratamento desigual aos dois consórcios. “A omissão em reequilibrar os contratos reforça o tratamento desigual por parte do Município de Juiz de Fora em relação aos dois Consórcios concessionários”.

No mesmo tom, o Consórcio Manchester considerou o procedimento de caducidade do contrato em curso como injusto, uma vez que sem o reequilíbrio e com a crise decorrente da pandemia da Covid-19, não há “condições de fazer investimentos necessários, como a renovação de frota”. Ainda de acordo com o concessionário, o desequilíbrio reconhecido pela Justiça implica em prejuízo milionário mensal.

A Secretaria de Mobilidade Urbana abriu processo administrativo contra o Consórcio Manchester no último dia 4 e março, que pode resultar na caducidade do contrato. A pasta considerou como “insuficientes” as manifestações feitas pela empresa em resposta às reincidentes notificações por eventuais descumprimentos de contrato.

Em relação ao Consórcio Via JF, que também foi notificado em diversas ocasiões, foi solicitado um cronograma detalhado de ações a serem tomadas.

A Prefeitura ainda não foi notificada em relação à decisão do TJMG.