Contexto

Sem Alckmin e Eduardo Leite, será mesmo o funeral do PSDB?

Eduardo Leite tem convite de filiação do PSD, e Geraldo Alckmin do PSB (Fotos: Agência Brasil)

Com o título “O funeral do PSDB”, Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap, iniciou seu artigo na Folha de São Paulo na última quarta-feira (9), selando o trágico destino dos tucanos.

“A saída de Geraldo Alckmin do PSDB rumo ao PSB e à Vice-Presidência na chapa de Lula pode ser comparada à missa de sétimo dia de um partido que foi uma das vigas mestras do sistema político inaugurado com a democracia, nos longínquos anos 1980”.

A professora não esperava que, na noite daquela mesma quarta-feira (9), o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD) anunciaria sua saída da disputa pela Presidência da República. Com o isso, outro quadro do PSDB, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ganhou caminho livre para migrar para o PSD e voltar ao páreo presidencial.

No final do ano passado, Eduardo Leite foi preterido por João Doria, governador de São Paulo, durante as conturbadas prévias do PSDB para definir um candidato para tentar levar o partido de volta ao Palácio do Planalto. Desde então, o governador gaúcho ganhou o status de aposta de terceira via do presidente do PSD, Gilberto Kassab.

Sem Alckmin e com farta possibilidade de perder também Eduardo Leite, ficando apenas com o isolado Doria, que embora tenha adotado discurso vacilante em relação à manutenção da própria candidatura, parece agora querer seguir no páreo, o PSDB bate cabeça.

Se o partido baixará mesmo à cova ao término de 2022, há divergências em relação ao vaticínio da professora Maria Hermínia Tavares. Para Raul Magalhães, cientista político e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), é preciso ponderar a ideia de “fim do partido”, pois num país “que tem mais de 30 (partidos) é sempre precipitado”.

Ele concorda, porém, com a professora da USP em relação à infeliz aposta tucana de encampar a Lava Jato, operação da Polícia Federal que investigou esquemas bilionários de corrupção envolvendo a Petrobras. “Que o PSDB foi a maior vítima partidária da ‘Lava Jato’, não há o que contestar”.

No seu artigo, Maria Hermínia fala do equívoco do partido que, “com malandro entusiasmo”, se apropriou da “Lava Jato” contra o PT, seu principal adversário, vindo depois a se tornar “a principal vítima da crise política que ajudou a dar à luz e a nutrir, abrindo as portas para o que há de mais primitivo e cruel no país”.

Mesmo combalido pelas escolhas recentes, o PSDB pode revigorar, segundo Raul Magalhães. Mas para isso é preciso saber o destino partidário do eleitorado da direita. “De qualquer forma o voto de direita não pode ir eternamente para a extrema e aí, se o PSD não os capturar, o PSDB pode sair do limbo. É jogo a ser jogado”.

Também é cedo para falar em funeral do PSDB, na avaliação do professor do departamento de História da UFJF, o cientista político Fernando Perlatto. “Partidos são estruturas muito vivas. Não acredito que o PSDB esteja vivendo seu funeral com a saída do Alckmin. Acho que partidos podem se reinventar. Mas não tenho dúvida de que há uma crise, a maior crise que o partido já viveu desde sua criação”.

O professor toma como exemplo o próprio PT, que até muito recentemente era dado como acabado, mas que “tem conseguido de um modo ou de outro se reinventar”. “O PSDB, por exemplo, tinha um quadro muito qualificado que faleceu, o Bruno Covas. Mas há outros quadros. Não sei, por exemplo, se o próprio Eduardo Leite vai ficar no PSDB. Mas acredito que o PSDB também tem essa condição, tem esse potencial para se reinventar.”

Perlatto avança um pouco na análise de Maria Hermínia quando ela afirma que “os tucanos começaram a minar seu próprio chão assim que, no dia seguinte à derrota de 2014, Aécio Neves contestou o resultado das urnas — pedra de toque do sistema do qual era um dos fiadores”.

Na avaliação do professor juiz-forano, além da contestação do resultado eleitoral, o movimento determinante para a guinada do PSDB foi o controle da máquina partidária por Doria. “O fato de o Doria ter assumido praticamente o controle do partido, que vai acabar sendo muito importante para essa mudança do Alckmin para o PSB, mostra uma guinada do PSDB num sentido mais à direita, mais conservador”.

A trajetória inicial do PSDB, segundo Perlatto, lá no seu nascedouro, se deu na centro esquerda. “O próprio rompimento com PMDB por aqueles que vão fundar o PSDB, como o Fernando Henrique Cardoso e o José Serra, era muito por conta do conservadorismo do PMDB na época”.

Esses tucanos de primeira hora vão desempenhar um papel muito importante na Constituinte de 1988. “O Mário Covas vai ter um papel fundamental ao ocupar determinadas relatorias. São eles, inclusive, que vão dar um caráter mais progressista para Constituição de 88”, explica o professor.

A guinada que se concretizaria com a ascensão Doria, conforme Perlatto, começou ainda nos anos de 1990. “A própria aliança com PFL, que traz o Marco Maciel para vice, já mostra uma guinada à direita. Depois ela vai se exacerbando. A partir de crises 2013 e 2014, sobre tudo de 2014, o PSDB aposta numa num caminho acreditando que seria o principal beneficiado da crise”.

Bem menos condescendente com o PSDB do que Fernando Perlatto e Raul Magalhães, o professor de pós-graduação em ciências sociais da UFJF, Rubem Barboza Filho, considera que a morte do partido não é um fato do presente, mas do passado. “O PSDB já morreu há alguns anos. Perdeu inteiramente a inspiração original e não se reinventou. Uma pena!”